quarta-feira, 21 de abril de 2010

A ESTÁTUA JACENTE

I

Contido
em seu livre abandono
um dinamismo se alimenta
de sua contenção pura.

Jacente
uma atmosfera cerca
de tal força o silêncio

como se jacente guardasse
o gesto total do segredo.

II

O jacente
é mais que um morto: habita
tempos não sabidos
de mortos e vivos.

O jacente
ressuscitado para o silêncio
possui-se no ser
e nos habita.

III

Vemos somente o repouso
como uma face neutra
além de tudo o que
significa.

(Mas se nos víssemos
no verbo totalizado
- forma que se concentra
além de nós -
Mas se nos víssemos
na contenção do ser
o repouso seria
expressão nítida.)

Vemos apenas
repouso:
contenção da palavra
no silêncio.

IV

Jaz
sobre o real o gesto
inútil: esta palma.

A palavra vencida
e para sempre inesgotável.



Nascida no interior de São Paulo em 1940, filha de pais analfabetos, Orides Fontela é um caso singular da poesia brasileira. Embora tenha publicado a partir do final da década de 60, a sua poesia só veio a ser reconhecida na década de 80, quando lançou vários livros que granjearam o reconhecimento da crítica. Autora de uma poesia concentrada, com uma economia acentuada de recursos, ainda que possuindo uma alta voltagem estética, Orides Fontela distinguiu-se pela essencialidade absoluta e por um domínio estilístico difícil de igualar. O seu carácter complexo, os problemas pessoais e a visível incapacidade para os enfrentar, acabaram por lançá-la na pobreza quase total. Faleceu em Novembro de 98, deixando uma obra difícil de situar.
Jorge Henrique Bastos, in Poesia Brasileira do Século XX - Dos Modernos à Actualidade, Antígona, Fevereiro de 2002, pp. 292-298.

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