quarta-feira, 2 de junho de 2010

SEGUNDO POEMA



Novamente manhã, nada que fazer, talvez comprar um piano ou fazer disparates.
Pelo menos limpar o quarto, para assegurar que como o meu pai sacudi a cinza & as beatas ao pé da cama no chão.
Mas primeiro limpar os óculos e beber a água para lavar a boca mal-cheirosa.
Uma pancada na porta, entra uma gata, atrás dela o elefante bebé do Zoo exigindo panquecas ─ não suporto mais estas alucinações.
Tempo para outro cigarro e depois deixo subir as cortinas, reparo então que o lixo faz um carreiro até ao caixote.
Não frigorífico por isso uma toranja seca.
Haverá alguma coisa simples que eu possa fazer pelo meu
quarto, talvez pintá-lo cor-de-rosa ou instalar um elevador do chão para a cama ou talvez tomar um banho na cama?
De que serve viver se não posso fazer paraíso no meu próprio quarto-país?
Porque esta gota de tempo nos meus olhos
como o sofrimento de uma estrela vermelha num cigarro
faz-me sentir que a vida trespassa mais depressa do que
tesouras.
Sei que se pudesse fazer a barba as pulgas à volta do meu rosto desapareceriam para sempre.
Os buracos nos meus sapatos são só temporários, eu sei.
O meu tapete está sujo, mas de quem é que não está?
Há sempre um momento na vida em que toda a gente tem que
fazer uma mija no lavadouro ─ aqui deixem-me pintar a janela de preto por um minuto.
Atirei um prato & parti-o por maldade ─ ou talvez só inocentemente o deixasse cair por acidente quando andava à volta da mesa.
Diante do espelho pareço um fantasma do Saara,
ou na cama pareço uma múmia chorosa oláando por ar,
ou à mesa sinto-me como Napoleão.
Mas agora a principal tarefa do dia ─ lavar a minha
roupa interior ─ abusada dois meses ─ que diriam disto as formigas?
Como posso eu lavar a minha roupa ─ porque eu, eu, eu seria uma mulher se o fizesse.
Não, antes engraxar as sandálias e quanto ao chão é mais criativo pintá-lo do que limpá-lo.
Quanto aos pratos pode ser pois estou a pensar em arranjar um emprego num restaurante.
A minha vida e o meu quarto são como duas pulgas enormes perseguindo-me à volta do globo.
Graças a deus tenho uma maneira inocente de olhar para a natureza.
Nasci para recordar uma canção sobre o amor ─ numa colina uma borboleta faz uma taça donde eu bebo, caminhando sobre uma ponte de flores.

Nov. 57, Paris


Peter Orlovsky‘A minha biografia nasceu em Julho de 1933. Cresci com os pés sujos e gargalhadas. Não aguento poeira e por isso meto o dedo no nariz. Chatices na escola: sempre a pensar sonhar tristes confusos problemas. Larguei o liceu a meio do último ano & desapareci a trabalhar num manicómio para velhos. Gosto de línguas de gato & já não me lembro de sonhos. Era bom que alguém me comprasse uma montanha com uma caverna. Deixei de falar. Quis ser agricultor e fui para o liceu por causa disso & estudei a valer, a valer, posso dizer-lhes, mesmo a valer, nem acreditam. Levantei pesos com tabuletas do trânsito. Aprendi a gostar de bacon queimado com a ajuda da minha mãe. Olho para os pés & preciso de indevidas nuvens paranóicas súbitas. Gosto de lavar o chão, de limpar vomitado de gato. Gosto de nadar debaixo de água. Quero a lua para me divertir. Comecei a gostar de ficar com o cérebro vazio, especialmente na banheira. Este verão, comecei a gostar de moscas no nariz & na cara. Exijo que se venda mijo na praça, ajudaria as pessoas a conhecerem-se melhor. I. Q. no liceu, 90, agora I. Q. especializado de milhares.’ (In Antologia da Novíssima Poesia Norte-Americana, selecção, tradução, prefácio e notas de Manuel de Seabra, Editorial Futura, 1973)



Nota: depois de ler a versão original do poema, confesso que não gostei da tradução de Manuel de Seabra. Resolvi fazer algumas reparações, tendo em conta, obviamente, o trabalho já feito. Que não me levem a mal o “despautério”. Infelizmente, é-me impossível reproduzir a mancha gráfica do poema original, pelo que resolvi entregar as quebras dos versos mais longos à ditadura das margens nesta página.

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