sexta-feira, 30 de julho de 2010

MANIFESTO



Senhoras e senhores
Esta é a nossa última palavra
─ A nossa primeira e última palavra ─
Os poetas desceram do Olimpo.

Para os nossos maiores
A poesia foi um objecto de luxo
Mas para nós
É um artigo de primeira necessidade:
Não podemos viver sem poesia.

Ao contrário dos nossos maiores
─ E digo isto com todo o respeito ─
Nós sustentamos
Que o poeta não é um alquimista
O poeta é um homem como os outros
Um pedreiro que constrói o seu muro:
Um construtor de portas e janelas.

Nós conversamos
Com a linguagem de todos os dias
Não acreditamos em signos cabalísticos.

E mais uma coisa:
O poeta está aqui
Para que a árvore não cresça torta.

Esta é a nossa mensagem.
Nós denunciamos o poeta demiurgo
O poeta Barata
O poeta Rato de Biblioteca.
Todos estes senhores
─ E digo isto com muito respeito ─
Devem ser processados e julgados
Por construírem castelos no ar
Por desperdiçarem espaço e tempo
Redigindo sonetos à lua
Por juntarem palavras ao acaso
Conforme a última moda de Paris.
Para nós não:
O pensamento não nasce na boca
Nasce do coração no coração.

Nós repudiamos
A poesia de lentes obscuras
A poesia de capa e espada
A poesia de chapéu-de-sol.
Propomos ao contrário
A poesia a olho nu
A poesia a peito aberto
A poesia de cabeça destapada.

Não acreditamos em ninfas nem tritões.
A poesia tem de ser isto:
Uma rapariga rodeada de espigas
Ou não ser absolutamente nada.

Agora, bem, no plano político
Eles, os nossos avós imediatos,
Os nossos bons avós imediatos!,
Refractaram-se e dispersaram-se
Ao passarem pelo prisma de cristal.
Uns tantos tornaram-se comunistas.
E não sei se realmente o foram.
Suponhamos que foram comunistas,
O que sei é uma coisa:
Que não foram poetas populares,
Foram uns reverenciais poetas burgueses.

Há que dizer as coisas tal qual são:
Apenas um ou outro
Soube chegar ao coração do povo.
Sempre que puderam
Declararam-se de palavra e feito
Contra a poesia dirigida
Contra a poesia do presente
Contra a poesia proletária.

Aceitemos que foram comunistas
Mas a poesia foi um desastre:
Surrealismo em segunda mão
Decadentismo em terceira mão
Tábuas velhas devolvidas pelo mar.
Poesia adjectiva
Poesia nasal e gutural
Poesia arbitrária
Poesia copiada dos livros
Poesia baseada
Na revolução da palavra
Quando podia fundar-se
Na revolução das ideias.
Poesia de círculo vicioso
Para meia dúzia de eleitos:
«Liberdade absoluta de expressão».

Hoje benzemo-nos perguntando
Por que escreveram essas coisas
Para assustar o pequeno burguês?
Tempo miseravelmente perdido!
O pequeno burguês não reage
Senão quando se trata do estômago.

Querem assustá-lo com poesias?

A situação é esta:
Enquanto eles estavam
Por uma poesia do crepúsculo
Por uma poesia da noite
Nós propúnhamos
A poesia do amanhecer.
Esta é a nossa mensagem,
Os resplendores da poesia
Devem chegar a todos por igual
A poesia toca a todos.

Nada mais companheiros
Nós condenamos
─ E isto sim, digo-o com respeito ─
A poesia de pequenos deuses
A poesia da vaca sagrada
A poesia do touro enraivecido.

Contra a poesia das nuvens
Nós contrapomos
A poesia da terra firme
─ Cabeça fria, coração quente
Somos terrafirmistas decididos ─
Contra a poesia de café
A poesia da natureza
Contra a poesia de salão
A poesia da praça pública
A poesia de protesto social.

Os poetas desceram do Olimpo.



Nicanor Parra, in Otros poemas [1950-1968]
Versão de HMBF

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