Em 1977 o grupo teatral La Feria encenou um espectáculo baseado nos poemas de Nicanor. Hojas de Parra foi considerado um espectáculo subversivo pelas autoridades governamentais, levando o poeta a agudizar o tom crítico da sua antipoesia. Num discurso proferido na Sociedad de Escritores de Chile insurgia-se contra a crónica injustiça social que assolava o seu país, acusando a fome, o exílio, os crimes ecológicos e os desaparecimentos perpetrados pela ditadura de Pinochet. Em 1982, publicou Ecopoemas, uma plaquette clandestina onde a bandeira da ecologia era acenada como nunca antes na sua poesia. M.ª Ángeles Pérez López afirma que, por esta altura, o cepticismo que caracterizava a antipoesia foi momentaneamente vencido por uma confiança no poema enquanto despertador de consciências. Chistes par(r)a desorientar a la (policía) poesía (1983) resultou de uma colaboração com 30 artistas que criaram composições visuais sobre os poemas de Nicanor Parra, produzindo cartões postais onde se denunciavam os males do mundo: poluição, consumismo, repressão, maniqueísmo ideológico. 1983 foi igualmente o ano de edição de Poesía política, uma recolha onde poemas anteriormente editados conviviam com poemas novos que lançavam no ar o testemunho de uma chegada ao poder «da burocracia da morte». Contudo, Parra nunca se considerou um poeta político. A sua poesia não obedecia senão à agenda existencial do anti-poeta, afirmava-se a partir de uma estranha confluência da poesia popular com o humor negro dos surrealistas e os aspectos visuais da poesia experimental. Todas essas dimensões são perfeitamente perceptíveis na recolha de 1985: Hojas de Parra. Aí encontramos textos escritos desde 1969, uns inéditos e outros publicados em revistas e antologias, numa síntese perfeita dos temas parrianos: a degradação da sexualidade, a velhice, a morte, a frustração enquanto sentimento predominante, “o esmagamento da vida pelas instituições normativas”. Um exemplo:
QUE GANHA UM VELHO EM FAZER GINÁSTICA
que ganhará em falar ao telefone
que ganhará em tornar-se famoso
que ganha um velho em ver-se ao espelho
Nada
afundar-se cada vez mais na lama
já são três ou quatro da madrugada
por que não trata de adormecer
não ─ deu-lhe para fazer ginástica
deu-lhe para as chamadas de longa distância
deu-lhe para Bach
…………………..Beethoven
……………………………..Tchaikovsky
deu-lhe para ver-se ao espelho
deu-lhe para continuar a respirar obsessivamente
lamentável ─ melhor seria que apagasse a luz
Velho ridículo diz-lhe sua mãe
és igualzinho ao teu pai
ele também não queria morrer
Deus te dê vida para andares de automóvel
Deus te dê vida para falares por telefone
Deus te dê vida para respirares
Deus te dê vida para enterrares tua mãe
Caíste no sono velho ridículo!
mas o ancião não pensa em dormir
não confundir chorar com dormir
Nicanor Parra, in Hojas de Parra (1985)
QUE GANHA UM VELHO EM FAZER GINÁSTICA
que ganhará em falar ao telefone
que ganhará em tornar-se famoso
que ganha um velho em ver-se ao espelho
Nada
afundar-se cada vez mais na lama
já são três ou quatro da madrugada
por que não trata de adormecer
não ─ deu-lhe para fazer ginástica
deu-lhe para as chamadas de longa distância
deu-lhe para Bach
…………………..Beethoven
……………………………..Tchaikovsky
deu-lhe para ver-se ao espelho
deu-lhe para continuar a respirar obsessivamente
lamentável ─ melhor seria que apagasse a luz
Velho ridículo diz-lhe sua mãe
és igualzinho ao teu pai
ele também não queria morrer
Deus te dê vida para andares de automóvel
Deus te dê vida para falares por telefone
Deus te dê vida para respirares
Deus te dê vida para enterrares tua mãe
Caíste no sono velho ridículo!
mas o ancião não pensa em dormir
não confundir chorar com dormir
Nicanor Parra, in Hojas de Parra (1985)
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