sábado, 20 de novembro de 2010
O ANTI-LÁZARO
Não te levantes da tumba morto
o que ganharias com ressuscitar
um feito
…………..e depois
………………………a rotina de sempre
não te convém velho não te convém
o orgulho o sangue a avareza
a tirania do desejo venéreo
as dores que a mulher causa
o enigma do tempo
as arbitrariedades do espaço
reconsidera morto reconsidera
não te recordas como era?
à menor dificuldade espoletavas
em impropérios à direita e à esquerda
tudo te incomodava
já não resistias
nem à presença da tua própria sombra
má memória velho má memória!
o teu coração era um monte de escombros
─ estou a citar os teus próprios escritos ─
e da tua alma nada restava
para quê então voltar ao inferno de Dante?
para que a comédia se repita?
qual divina comédia qual quê
fogo de artifício ─ miragens
isco para caçar vermes gulosos
isso sim seria um grande disparate
és feliz cadáver és feliz
nada te falta no teu sepulcro
ri-te dos peixes coloridos
alô ─ alô estás a ouvir-me?
quem não há-de preferir
o amor da terra
às carícias de uma lúgubre prostituta
ninguém em plena posse das suas faculdades
a não ser que tenha um pacto com o diabo
continua a dormir homem continua a dormir
sem as ferroadas da dúvida
senhor e amo do teu próprio caixão
na quietude da noite perfeita
liberto de inutilidades
como se nunca tivesses estado acordado
por nenhum motivo ressuscites
não tens por que ficar nervoso
como disse o poeta
tens toda a morte pela frente
Nicanor Parra, in Hojas de Parra (1985)
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