terça-feira, 4 de janeiro de 2011

PORTO SEM ABRIGO


Olho para o meu cão e penso o quão bem representa o povo português. Também podia pensar que já tenho o NIB para pagar à Trama a última compra de 2010: As Anotações de Malte Laurids Brigge e Die Aufzeichnungen Des Malte Laurids Brigge. Ah, pois é, isto agora vai ser um vê se te avias de citações em alemão. Porém, não nos distraiamos. Voltemos ao cão. Anda mal da próstata, não contém o pingo, precisa urgentemente de passar a usar fralda, tem os dentes podres, provavelmente está diabético, ainda não cegou mas confunde amiúde pantufas com cadelas. Assim anda o povo português, o mesmo que trouxe pelos suspensórios, durante 50 anos, uma ditadura ensimesmada e tristemente enfadonha (há delas que são uma alegria), o mesmo que ofereceu 10 anos de governo a um queixo calçadeira cuja maior virtude é não ler jornais, um indivíduo que raramente se engana e tem dúvidas excepto quando as dúvidas que tem são os desenganos que não assume, aprestando-se agora a consolidar no poleiro o seu cacarejo seco de galo sem crista. Presidente mais anti-tusa seria difícil de imaginar. Esteve à frente de governos executados por gente que só não está, não esteve e não estará na choldra porque este não é um país Independente. É um país caniche que não contém o pingo, confunde pantufas com gajas, tem os dentes podres e está provavelmente diabético. Ainda assim é o lado para que durmo melhor, deixando-me muito mais amargurado do espírito aquele episódio de amor e desamor na Rua de Santa Catarina. Não sei se ouviram falar. Pelo que sei e me deram a ver, dois carochos enrolados à moda cínica em plena baixa portuense. Vai daí o povo, representado por uma loura oxigenada com o rêgo à mostra e por um troglodita similar aos que pululam nas claques de futebol, não gostou. O povo tripa com apalpões à vista desarmada, marmelanço de ver ao perto, o povo gosta de passar olhando para o lado, reparando e fazendo reparos ou fingindo que não vê, incomoda-se com a desvergonha a céu aberto das gerações perdidas de sem-abrigo. Fodido, fodido, é não ter telha nem colchão para executar o acto à moda burguesa. Mas isso ‘tá quieto. Casa é para os chulos. Quem não tem casa não acasala e não se fala mais no assunto. E o povo, colado ao monitor, vota no ditador para grande figura do século, no Zé Maria para grande amigo e num pastor de Baião ex-proprietário de um bordel para grande vencedor de uma merda qualquer. Os carochos do século XXI, provavelmente sem nunca terem ouvido falar de Crates nem de Diógenes, resolveram dar corda à bebedeira com amor sobre a calçada. Uma cidadã mais indignada que as outras achou que era assunto para resolver à chapada, acudida por um herói que se atirou de punho cerrado sobre o Casanova cambaleante. Foi amor KO. Isto indigna-me, isto amargura-me, isto incomoda-me, isto chateia-me, isto polui-me a alma. Sou pelo amor a céu aberto. Por isso, desejo todo o bem do mundo aos carochos da Rua de Santa Catarina, faço deles os meus guias espirituais para 2011, e desejo todo o mal da Rua de Santa Catarina aos pategos que os agrediram. Acho que é justo, tendo em conta as circunstâncias.

7 comentários:

Anónimo disse...

O Cavaco também me inspira, mas uma cavaca aquece muito mais. Mas o que dá vontade é mesmo ex-cavacar esta merda toda, votando no Coelho da Madeira, que não sendo o Iluminado por quem a nossa costela de mendigos da Fé suspira, dá ares daqueles velhos rijos lá de xima ou de baixo, que, alimentados toda a vida com feijão e broa de milho, enrijaram certas fibras do espírito muito mais dos que os da analfabetização digital das gerações Migalhães alguma vez sonharam.

Por isso agora só falo de Coelho II, na linha do Coelho I da AAC da UC nos glórios anos 80. O Coelho vocifera e tonitrua verdades tão cruas como as fodas da Rua Santa Catarina. O Coelho morde no Jardim da Madeira consecutivamente há anos, como um moscardo que se delicia nas bochechas gordas de sua excelência folgazona, denunciando o clima salazarento que lá se perpetua à moda de Putin, com uma Democracia formal feita de rituais vazios, com um povo em grande parte pobre e amarfanhado, mas fundamental para servir aquela parte mais pequena que vive bem sob a Pax Jardim, à semelhança desse tal Portugal dos bairros de gente a par de bairros de jumentos de carga, agora e para sempre, amén.
Mas tenho que passar pelo Nobre e sua deriva quixotesca pelos lados da política, para recordar o que um homem sofre quando se presta a por em prática certas ideias, neste caso, a singela ideia de uma candidatura independente. Daqueles que almejavam um dia uma coisa dessas, quantos votarão nele? O homem, coitado, não parece um político, parece um patinho fora de água, e não dá mesmo jeito nenhum votar num não-político para um lugar político, sendo que o ideal messiânico de alguém para além da política ficará eternamente vago, como todas as outras vacuidades eternas que não convém nada preencher para que continuem a ter significado no domínio do sagrado. Nunca haverá ninguém à altura das divinas exigências do povo, e até lá será a lábia douta do Sr. Emplastro, negrume cinza desta alma lusitana, a espalhar sua palavra santa, inviolável, inocente, mas suficientemente matreira e insinuante para se fazer passar o suficiente como o Independente que toda gente sabe que não é, ar que lhe vem simplesmente da evocação da outra santa figura que nos fodeu durante quarenta anos.
O que eu acho interessante é como que certas mulheres têm tanta tusa quando olham para o Cavaco e, em vez disso, não se desatam a rir cada vez que ele abre a boca ou esboça o mínimo gesto. Eu acho que a tusa a que te referes deve ser bué metafísica e específica, porque aquela outra que consigo alcançar a modos que do teu cão, essa é um trunfo de sua excelência, servo de Maria.
João Micael!

maria disse...

porra, mais um de antologia! ;)

Beatrix Kiddo disse...

"Vai daí o povo, representado por uma loura oxigenada com o rêgo à mostra e por um troglodita similar aos que pululam nas claques de futebol, não gostou." muito mal representado o povo

rff disse...

Hilariante, no mínimo! Sem desprimor pelas boas gentes da Invicta (bem mais solidários que o pessoal da capital assinale-se) aposto que em Lisboa, na rua augusta por exemplo, tal episódio não suscitaria este tipo de reacções....
Abraço

hmbf disse...

Eu cá acho que em Santarém é que isto ia dar regabofe. :-)

rff disse...

Acho que nesse caso a expressão mais utilizada por uma libidinosa plateia seria:
COME A GAJA POR TRÁS MEU LABREGO!...

Anónimo disse...

No meio de tudo isto esqueci-me do essencial: parabéns pelo texto. Genial tanto na comparação como no desenvolvimento. Diria que estás na fase do vinho do porto, que se estenda por muitos anos, antes d echegar a fase de vinagre como a do lobo antunes.

João Michaelis