quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

CADA QUAL SABE DE SI

Camarada Van Zeller, há muito que o não vejo. Eu próprio tenho andado arredado, mas, confesso-lhe, não menos atento. O trabalho atira-nos para dentro de um caixa, a gente contorce-se no exíguo espaço, estende os músculos a ver se rasga o cartão e, aqui e acolá, consegue espreitar o mundo por uma brecha.
Vou assistindo à revolução no Egipto sem esperança. É de feitio. A um crápula outro crápula se seguirá, a história no-lo ensina. Mas por vezes fazemos orelhas moucas, fingimos que não sabemos, assobiamos para o lado e cedemos o truque. Gosto disso.
Deu-se conta da velhota inglesa que afugentou os meliantes com uma mala de tiracolo? Aquilo sim, é uma verdadeira revolução. Uma revolução de segundo e meio, à luz do dia, em plena esquina. Vieram-me à memória as aventuras do Duarte e da sua companhia, vieram-me aos olhos lágrimas de comoção. Gostava de ser novo com aquela velhice.
Também não compreendo a consternação perante a morte solitária da idosa de Rinchoa. Por mim, santa morte. Ninguém deu por nada. Nove anos passaram e foi como se não existisse. Maravilha. Às vezes gostava de viver como a velha morreu. E espero que a morte me leve deste insuportável mundo onde até para morrer se anseiam dois ou três holofotes de coroas de flores e filas de trânsito.
Que mais lhe posso eu dizer? Grande debate em torno de uma vulgar canção. Já não me lembrava de tal coisa desde Talvez Foder, o que até me parece bem mas não auspicia nada de sadio. Deolinda, como tantos outros projectos que resolveram levar ao altar José Afonso e Hermínia Silva na Igreja da Madredeus ao som da chanson française, não me aquecem e, por vezes, até me arrefecem. A minha música é outra.
Olhe, deixo-lhe um cheirinho: aqui e acolá, que isto de andar a estudar para ser escravo nunca há-de ser tão, digamos assim, comovente como ter sido génio para andar a vadiar. É só ver.
Saúde,

3 comentários:

Sardinha disse...

Os Deolinda são uma grande banda. Cumprem um papel importante além da música: agitam as àguas. A história da velhota da Rinchoa é o retrato do mundo umbiguista em que vivemos... sem dúvida irónica a vida e a morte da senhora...

fallorca disse...

Quando escreve, descalça-se à entrada do poema :)
O que tu foste descobrir, pá!

hmbf disse...

Sardinha, ok, tudo bem, mas eu não vou por aí.

Fallorca, já estás a norte?