Assaltado por uma espécie de utopia surrealista, dei por mim a fazer contas imponderáveis. Li algures que, em 2010, a Sonae lucrou 192 milhões de euros. Não sei quanta gente emprega a Sonae, mas façamos as contas a 50000 indivíduos. Aqueles lucros divididos por 50000 perfazem a módica quantia de 3840€. Estes 3840€ davam jeitinho, não? Mas suponhamos que os podíamos distribuir pelos 12 meses anuais. Eram mais 320€ de salário por mês. Isto, para quem ganha o ordenado mínimo nacional, faz toda a diferença. 480 + 320 = 800. Nada mau. Mas a economia não é assim, o mundo não é assim e eu não sei fazer contas. Porque as empresas precisam de crescer, e para crescerem é preciso investir, e para investir é preciso lucro. Não se pode desperdiçar o lucro com quem trabalha. Isso é que era bom.
3 comentários:
quem te manda raciocinar com lógica? quem te manda pensar? é para isso que te pagam?
Não, o mundo não é assim. Desde logo porque os accionistas da Sonae (que é quem mete dinheiro na Sonae em vez de o meter na PT ou na Jerónimo Martins) exigem algum rendimento, seja através de dividendos (que no passado a Sonae muitas vezes não distribuiu) seja através da valorização bolsista (uma chatice, eu sei, mas as pessoas são assim - as ricas e as que só têm 500 acções*). Depois, os lucros podem servir, em parte ou no todo, para reinvestir (até porque o recurso ao crédito está difícil), criando mais emprego (não sei qual a percentagem que a Sonae vai usar para isso mas acredito que alguma será; também é verdade que nas actuais circunstâncias talvez não o reinvista em Portugal mas as pessoas precisam de emprego em todo o lado). Depois ainda, outra parte pode ser usada para amortizar dívidas. Em quarto lugar, lucros elevados significam impostos elevados (eu sei que os grandes grupos usam mecanismos criativos para pagar menos mas essa é outra questão). Finalmente, os lucros são uma coisa gira nestes grandes grupos – têm quase sempre uma componente de fantasia. É por isso que os bancos continuam a ter lucros e, simultaneamente, estão à beira da falência.
Ou seja: não vou ao ponto de afirmar, como fazem alguns economistas liberais, que a obrigação moral de uma empresa é dar lucro - mas que uma empresa tenha lucro é muito positivo. Claro que podemos discutir qual o balanço ideal entre receitas e remuneração de quem contribui para essas receitas. Podemos discutir qual o nível de taxação adequado. E não estou sequer a dizer que a política salarial na Sonae é a mais correcta. Mas pretender que todo o lucro seja distribuído pelos trabalhadores é tão demagógico como algumas propostas que você mesmo classifica como demagógicas e tenderia a fazer desaparecer o investimento.
Só mais um pormenor, doloroso de incongruência: globalmente, aumentar os salários às pessoas (a si, a mim, aos trabalhadores da Sonae, ao Paulo Azevedo) tem hoje mais efeitos negativos do que positivos na economia portuguesa: como consumimos muitos produtos estrangeiros, o endividamento em relação ao exterior só aumentaria. É por isso que temos de produzir e exportar mais antes de poder começar a fazer isso.
* Não é o meu caso, que não tenho acções da Sonae nem de qualquer outra empresa.
E há os magníficos, que, andem pelo público ou pelo privado, também precisam de comer.
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