Entre as figuras carismáticas dos índios da América do Norte, Sitting Bull e Geronimo talvez sejam os mais populares. Muitas horas de cinema, quase sempre numa perspectiva enviesada e facciosa, encarregaram-se de construir os mitos. O chefe da tribo dos Apaches Chiricauas deixou-nos um testemunho autobiográfico que pode ajudar a desmentir os mitos e a repor alguma verdade histórica (Geronimo e os Apaches – Autobiografia do Último Chefe Índio, Edições Sílabo, 2005 – a edição da Antígona não se encontra tão acessível). Quem merece igual atenção é o chefe Joseph, líder dos Nez Percé, que a Largebooks se encarregou de relembrar num volume atabalhoado intitulado O Futuro do Homem – Premonições de Índios Norte-Americanos (Março de 2011). O livro vale pela reprodução de um discurso de Joseph proferido em 1879.
Chefe Joseph (1840-1904), de seu verdadeiro nome Hinmuuttu-yalatlat, nasceu no vale Wallowa, na região de Oregon. Era filho de um chefe que, segundo alguns historiadores, ter-se-á convertido ao cristianismo. Daí o nome Joseph, herdado do pai. Como muitas tribos ameríndias, os Nez Percé (Narizes-Furados) devem a sua designação a um processo de aculturação que começou com a chegada dos primeiros colonos, exploradores e missionários. Eram estes quem os baptizava em função de características específicas. No caso, ficaram assim conhecidos por ostentarem argolas no nariz. Joseph relembra-o no seu discurso, uma narrativa eloquente que percorre a história dos Nez Percé desde os primeiros contactos com os homens de rosto branco até à deslocação para reservas, passando pelos conflitos armados e pela resistência à alienação territorial.
Joseph era um pacifista, sempre evitou derramar sangue e procurou tanto quanto lhe foi possível serenar os espíritos mais revoltados dos elementos da sua tribo. Ainda que não nos seja possível determinar a autenticidade das suas afirmações, ficam para a história, neste seu discurso, uma tremenda preocupação com o valor da palavra e a demanda de uma justiça assente nos princípios da igualdade e do direito à liberdade: «Pedimos que a mesma lei se aplique a todos os homens. Se o índio infringe a lei, que seja castigado conforme a lei. Se o homem branco infringe a lei, que seja castigado também» (p. 69). As acusações destes chefes tribais aos sucessivos governos dos EUA manifestam invariavelmente uma inexorável desconfiança perante o valor da palavra junto do homem branco. Falando num modo claro e conciso, sem recorrer à retórica das parábolas que funda a lógica judaico-cristã, o índio não percebe a facilidade com que o homem branco se desdiz. Para o índio a palavra tem o valor da rocha, ela é garantia de verdade, entre ela e os actos não se podem verificar desvios. Vale tanto como a coragem, a amizade, a sinceridade, a Terra.
Ao morrer, o pai de Joseph transmitiu-lhe a necessidade da desconfiança. Ao mesmo tempo, e na mesma proporção, incutiu-lhe a importância de defender a terra, não enquanto propriedade transaccionável, mas como bem universal:
My son, my body is returning to my mother earth, and my spirit is going very soon to see the Great Spirit Chief. When I am gone, think of your country. You are the chief of these people. They look to you to guide them. Always remember that your father never sold his country. You must stop your ears whenever you are asked to sign a treaty selling your home. A few years more and white men will be all around you. They have their eyes on this land. My son, never forget my dying words. This country holds your father's body. Never sell the bones of your father and your mother.
Na mente do índio, o conceito de propriedade diverge fortemente daquele que enforma a economia ocidental. Porque a terra não é de ninguém, não pode ser vendida, comprada, transaccionada. É um bem sobre o qual o homem nasce, cresce e morre, deixando aí as marcas da sua passagem pelo mundo. O processo de apropriação territorial de que os índios foram alvo, a par de uma aculturação forçada e de uma conversão imposta, não constituiu apenas mais um extermínio do homem sobre o homem. Foi, sobretudo, uma amputação irreversível da Natureza, que se viu assim privada dos povos e das culturas que melhor a compreendiam.
Chefe Joseph (1840-1904), de seu verdadeiro nome Hinmuuttu-yalatlat, nasceu no vale Wallowa, na região de Oregon. Era filho de um chefe que, segundo alguns historiadores, ter-se-á convertido ao cristianismo. Daí o nome Joseph, herdado do pai. Como muitas tribos ameríndias, os Nez Percé (Narizes-Furados) devem a sua designação a um processo de aculturação que começou com a chegada dos primeiros colonos, exploradores e missionários. Eram estes quem os baptizava em função de características específicas. No caso, ficaram assim conhecidos por ostentarem argolas no nariz. Joseph relembra-o no seu discurso, uma narrativa eloquente que percorre a história dos Nez Percé desde os primeiros contactos com os homens de rosto branco até à deslocação para reservas, passando pelos conflitos armados e pela resistência à alienação territorial.
Joseph era um pacifista, sempre evitou derramar sangue e procurou tanto quanto lhe foi possível serenar os espíritos mais revoltados dos elementos da sua tribo. Ainda que não nos seja possível determinar a autenticidade das suas afirmações, ficam para a história, neste seu discurso, uma tremenda preocupação com o valor da palavra e a demanda de uma justiça assente nos princípios da igualdade e do direito à liberdade: «Pedimos que a mesma lei se aplique a todos os homens. Se o índio infringe a lei, que seja castigado conforme a lei. Se o homem branco infringe a lei, que seja castigado também» (p. 69). As acusações destes chefes tribais aos sucessivos governos dos EUA manifestam invariavelmente uma inexorável desconfiança perante o valor da palavra junto do homem branco. Falando num modo claro e conciso, sem recorrer à retórica das parábolas que funda a lógica judaico-cristã, o índio não percebe a facilidade com que o homem branco se desdiz. Para o índio a palavra tem o valor da rocha, ela é garantia de verdade, entre ela e os actos não se podem verificar desvios. Vale tanto como a coragem, a amizade, a sinceridade, a Terra.
Ao morrer, o pai de Joseph transmitiu-lhe a necessidade da desconfiança. Ao mesmo tempo, e na mesma proporção, incutiu-lhe a importância de defender a terra, não enquanto propriedade transaccionável, mas como bem universal:
My son, my body is returning to my mother earth, and my spirit is going very soon to see the Great Spirit Chief. When I am gone, think of your country. You are the chief of these people. They look to you to guide them. Always remember that your father never sold his country. You must stop your ears whenever you are asked to sign a treaty selling your home. A few years more and white men will be all around you. They have their eyes on this land. My son, never forget my dying words. This country holds your father's body. Never sell the bones of your father and your mother.
Na mente do índio, o conceito de propriedade diverge fortemente daquele que enforma a economia ocidental. Porque a terra não é de ninguém, não pode ser vendida, comprada, transaccionada. É um bem sobre o qual o homem nasce, cresce e morre, deixando aí as marcas da sua passagem pelo mundo. O processo de apropriação territorial de que os índios foram alvo, a par de uma aculturação forçada e de uma conversão imposta, não constituiu apenas mais um extermínio do homem sobre o homem. Foi, sobretudo, uma amputação irreversível da Natureza, que se viu assim privada dos povos e das culturas que melhor a compreendiam.
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