domingo, 5 de fevereiro de 2012

OPERAÇÃO MASSACRE

Juan Domingo Perón, figura central na história política argentina do séc. XX, caiu do poder em Setembro de 1955 na sequência de um golpe de Estado levado a cabo por vários militares. Instalou-se então no país a auto-denominada Revolução Libertadora. Um ano depois, a libertação disse ao que vinha com uma sequência de fuzilamentos dos quais o mais conhecido será o Massacre de José León Suárez (localidade na zona norte da Grande Buenos Aires). Rodolfo Walsh (n. 9 de Janeiro de 1927), lendário jornalista argentino, encarregou-se de investigar esses acontecimentos, compilando os resultados da investigação num livro intitulado Operación Masacre. A primeira edição data de 1957 (portanto, muito em cima dos acontecimentos), tendo o livro sofrido várias reedições ao longo dos anos, com prólogos diversos, mas sempre a mesma intenção: dar testemunho de uma atrocidade nunca retractada pelos sucessivos governos da Argentina. Esta edição, datada de Novembro de 2010, da responsabilidade das Ediciones de la Flor, foi-me oferecida por generosa alma dos altos mares. A enriquecer o texto original, vários apêndices permitem-nos entender melhor a postura de Walsh perante os acontecimentos políticos de que foi testemunha viva e actuante. E dessa percepção retiramos o exemplo de um jornalismo corajoso e desassombrado, fiel à sua missão essencial, isto é, testemunhar, tanto quanto isso signifique denunciar, a impunidade dos criminosos que estão no poder. O próprio demarca-se de simpatias políticas, afirmando-se tão distante do peronismo como desiludido com a dita Revolução Libertadora, sublinhando desse modo uma atitude comprometida, única e exclusivamente, com a verdade dos factos. Por isso conclui: «la actitud del terrorista de abajo que coloca una bomba es la respuesta al terrorismo de arriba que aplica la picana»; e adianta: «la bomba que mata a un inocente no se diferencia gran cosa de la descarga del pelotón que mata a outro inocente» (p. 210). Este tipo de comparação pode indiciar um humanismo algo ingénuo, ainda que vá no sentido das reais preocupações de Rodolfo Walsh: um jornalismo livre e independente, uma profunda desacreditação das boas intenções revolucionárias e a persecução permanente da paz. Os acontecimentos relatados em Operación Masacre não se distinguem de outros fuzilamentos clandestinos que mancham a história da humanidade, senão pelo facto algo caricato de alguns fuzilados terem sobrevivido para contar a história. Entre eles, Juan Carlos Livraga, um sobrevivente dos assassinatos de 9 de Junho de 1956, um eventual peronista radical que faria parte de um grupo de homens com uma suposta missão anti-revolucionária. O processo kafkiano de que foi vítima leva-nos a acreditar numa realidade inspirada na ficção. O esforço colocado por Walsh na reabilitação deste homem é tremendo, pondo inclusive em causa a autonomia do poder judicial face ao poder político e considerando de cúmplice e facciosa toda a justiça militar. Não é por isso de estranhar o destino do lendário jornalista argentino. Já na década de 1960, a Revolução Libertadora foi substituída por uma Junta de Comandantes. Em Março de 1977, Walsh escreveu a Carta Abierta de un Escritor a la Junta Militar que haveria de ditar a sua sentença. Trata-se de um documento impressionante onde o jornalista oferece o peito às balas e confronta o poder de então com dados, números, exemplos vários de um regime sentado sobre um monte de cadáveres, «delegados sindicales, intelectuales, familiares de guerrilleros, opositores no armados, simples sospechosos a los que se mata para equilibrar la balanza de las bajas según la doctrina extranjera de “cuenta-cadáveres” que usaron los SS en los países ocupados y los invasores en Vietnam» (p. 228). Entre as vítimas, diga-se, jazia María Victoria, filha do jornalista, morta em confrontos com o exército no ano de 1976. No ano seguinte o autor da carta foi sequestrado e, presume-se, assassinado por um grupo de militares, terminando desse modo mais que previsível uma vida onde a verdade terá sido a sua principal arma de combate, uma verdade tão simples e evidente quanto é a de que nenhum poder político se erige senão sobre alicerces onde a corrupção e a mentira ditam as regras e as normas contra as quais há sempre que lutar, na medida do possível e do necessário. O sublinhado é nosso, "perdoe-se-nos" a presunção.

1 comentário:

Claudia Sousa Dias disse...

bang bang...

está muito bom. requere-se a tradução e edição em português. urgente.