quarta-feira, 25 de abril de 2012

NÃO COMEMORO A DEMOCRACIA PORTUGUESA

Não comemoro a democracia portuguesa, comemoro o fim da ditadura. Comemoro o fim de algo que não vivi senão através da memória histórica transmitida pela família, pelas leituras, pelos depoimentos públicos, por um interesse particular de ir à procura e verificar: seria mesmo assim? A democracia portuguesa, nas suas jovens 38 primaveras, são 20 anos de Cavaco. Isso não é comemorável. É desprezável. A democracia portuguesa é um país hipotecado. É uma oligarquia onde os filhos dos ricos são protegidos e constantemente favorecidos, enquanto aqueles que nascem em meios sociais pobres ou em ambientes precários, desfavoráveis ao desenvolvimento, continuam a ter que debater-se contra todo o tipo de dificuldades para poderem, pelo menos, imaginar um futuro. A democracia portuguesa é um SNS constantemente ameaçado por gente para quem direitos são privilégios, gente ao serviço de uma tirania fiscalista que cobra impostos sobre impostos para nada oferecer a quem os paga. É uma Escola Pública a saque, com professores transformados em funcionários de um sistema kafkiano, desapossados do seu estatuto docente, onde ensinar se resume a avaliar meras competências técnicas. E assim se enchem Universidades com alunos que mal sabem ler e escrever, quanto mais interpretar um texto, sem qualquer cultura histórica e crítica, meros clones da caterva tecnocrática e insensível que nos governa. A democracia portuguesa é uma Justiça tendenciosa, lentíssima porque afundada numa teia infindável de procedimentos. Os processos arrastam-se no tempo, obstaculizam as execuções, tornam impossível a prática do Direito. É uma Justiça que mais facilmente incrimina um jovem por este andar a partilhar músicas do João Pedro Pais do que um trafulha como Isaltino Morais. É a Justiça da ASAE, de autoridades persecutórias, caçadores de multas que tornam qualquer actividade económica um constante pesadelo de infindáveis pormenores burocráticos. A democracia portuguesa não pôs fim a um Estado centralizado, corrupto e desavergonhadamente ladrão, que alimenta, «à custa do erário público, os influentes, os caciques e o seu interminável cortejo de amigos, protegidos, parentes e parasitas» (VPV). O nepotismo não foi ultrapassado, os amigos de seus amigos continuam, à custa do trabalho das massas, a distribuir cargos e benefícios sem qualquer tipo de vergonha. Todos os dias as notícias nos dão conta disso mesmo: «o homem mais rico de Portugal, Américo Amorim, foi eleito na terça-feira presidente do Conselho de Administração da Galp, e leva consigo a sua filha, Paula Ramos Amorim, que ocupará o cargo de administradora não-executiva, com direito a um salário anual superior aos 45 mil euros. Recorde-se que, em 2008, a filha de Américo Amorim foi notícia pela acusação de fraude fiscal, quando vendeu um palacete, no Porto, a Filomena Pinto da Costa». Isto só é possível na democracia portuguesa. A democracia portuguesa é este resumo diário de ladroagem, vigarices, conluios, favorecimentos, onde um povo nefelibata, inculto, incivilizado e abambalhado, por inveja atávica, mais facilmente se revolta contra si próprio do que se indigna contra quem está no poder e manda. Por isso se suicida e não mata, por isso come e cala, por isso se mantém serena, paciente, inactiva, apática e aburguesadamente encafuado entre as orelhas, com o rabinho entre as pernas e ordeiramente reservado, votando de 4 em 4 anos, ou menos se assim calhar, nos mesmos impostores de sempre, nos mesmos discursos de sempre, nas mesmas soluções de sempre, no mesmo vazio, na mesma falta de conteúdo, na mesma e repetida indignidade de presidentes que ora não falam de boca cheia, ora não comentam de boca vazia, ora se reservam ao silêncio de boca seca. Eu não comemoro esta democracia porque isto não é, definitivamente, democracia alguma. Isto é um sufoco de primeiros-ministros que nos sugerem a emigração para não terem que nos governar.

3 comentários:

margarete disse...

"esta pequena dor à portuguesa tão mansa quase vegetal"

saíste do FB, mas lixas-te que eu levo-te para lá na mesma, em link :P

hmbf disse...

bem feita :-)

margarete disse...

tungas!