segunda-feira, 14 de maio de 2012

THE THIN RED LINE





Foram precisos vinte anos para que Terrence Malick voltasse a filmar depois de Days of Heaven (1978). Regressou com um filme de guerra baseado num romance de James Jones e com um elenco recheado de estrelas. Entre elas, Nick Nolte, Sean Penn, John Cusack, John Travolta, George Clooney, Woody Harrelson, só para dar alguns exemplos. Mas The Thin Red Line (1998) não é um filme de guerra convencional. O cenário apresenta-se como um palco privilegiado para trazer à cena os mais clássicos conflitos da grande tragédia humana, desde a relação do homem com a natureza ao medo perante a morte ou o eterno debate entre o ser e o dever ser. Podemos mesmo afirmar que a terceira longa-metragem de Malick é um tratado cinematográfico sobre essa coisa estranha e indefinível que os filósofos chamam de “o sentido da vida”.

Como nos seus filmes anteriores, Malick, que, recordemos, tem a sua formação de base na filosofia, recorre à “voz off” para revelar as características mais íntimas das suas personagens. Estas personagens são homens colocados na zona limite da sobrevivência, homens de acção em confronto consigo próprios e com a essência dos seus actos. São personagens pensativas que se questionam sobre o seu lugar na Natureza, sobre a origem do mal que os rodeia, procurando justificações que tornem menos absurdas as relações de poder definidoras das opções tomadas e delimitadoras do espaço de afirmação da liberdade individual. Neste sentido, The Thin Red Line tem muito mais que ver com um Apocalypse Now (1979) do que com um Platoon (1986), exemplos mais óbvios de recriações díspares da experiência da guerra.

O filme de Malick tem a rara capacidade de focar todas as questões fundamentais no domínio da existência, trazendo para o ringue indivíduos que de algum modo simbolizam perspectivas opostas sobre a realidade. Assim, temos o conflito entre a ambição desmesurada do coronel Tall (Nick Nolte), que, qual capitão Ahab, não se importa de jogar com as vidas dos homens sob o seu comando, e o humanismo do capitão Staros (Elias Koteas), sempre preocupado com as condições a que são sujeitos os seus soldados. Temos o pragmatismo materialista do sargento Welsh (Sean Penn), obediente mas intimamente revoltado, e a fé perturbadora do soldado desertor Witt. Temos a frieza e o entorpecimento do sargento Storm (John C. Reilly), que já nada consegue sentir perante a dor dos seus camaradas moribundos, e a dor do soldado Bell (Bem Chaplin), agarrando-se às memórias de uma mulher que lhe escreve a pedir o divórcio.

O desamparo que por vezes sentimos nestes homens, buscando conforto em monólogos interiores que geram mais dúvidas do que respostas, coloca-nos em relação directa com os mais íntimos anseios do ser humano. Transportam-nos para uma outra dimensão da realidade, porventura metafísica, onde o conceito de Deus surge enquanto última instância do desespero. A crueldade patente num cenário de guerra, onde a carne humana é transformada em arma de arremesso e tudo parece valer para que um alvo estrategicamente importante seja atingido, torna-se menos urgente de representar do que uma outra crueldade, não tão evidente, isto é, o mal que medra em torno do coração dos homens como as trepadeiras em torno de árvores milenares, obstruindo-lhes a visão, turvando-lhes a compaixão, transformando em pó tudo o que resta de humanamente moral e bom.

The Thin Red Line é, também pelo que foi dito, um dos grandes momentos plásticos da história do cinema. A beleza da paisagem natural onde ocorrem os confrontos agrava a ideia de um Inferno trazido ao interior do Paraíso. Num plano, uma borboleta atravessa a cena de combate onde vários indivíduos são exterminados. Noutro plano, um indígena de uma ilha no pacífico cruza-se impávida e serenamente com um batalhão onde o receio e a apreensão são os rostos mais evidentes. Não faltam exemplos de contrastes visuais expostos ao longo do filme, contrastes que não pretendem tanto explicar como logram produzir um efeito de dúvida e de espanto, de incerteza e de inquietação. Obrigam-nos a questionar o sentido, é certo, mas já não apenas o sentido da vida de um homem. Antes o sentido da humanidade inteira, o mais inextricável vírus no coração da Natureza.

1 comentário:

manuel a. domingos disse...

um filme soberbo.
fiquei pregado ao sofá