sábado, 9 de junho de 2012

PAISAGEM DE LISBOA


As salas dos cinemas King têm uma ligeira inclinação para o abismo. Cosmopolis pode não ser um grande filme, mas a limusine merece Óscar para melhor actriz……….Mulheres bonitas da Rua do Carmo, criminosos em potência na Rua Garrett. Réplicas de Renato Seabra, o assassino de Carlos Castro, gabam as últimas compras de Madame Tussauds. Tanta base no rosto ainda lhe provoca a queda das órbitas pelas bochechas abaixo. A banda rastafári toca Stevie Wonder. Na Igreja, os Mártires abanam a cabeça em sinal de jubilação……….O Nuno Moura é uma gaveta cheia de projectos. O Jonas já inventa palavras. Sai ao pai. Deus está morto, a poesia morreu, a pintura morreu, a música definha. Só os souvenirs se mantêm rijos que nem um pêro……….A Maria João tem uma gata lua, um gato sol e um mundo ilustrado nas mãos. O Jorge Aguiar de Oliveira não encontra nada de chocante na novelhíssima poesia portuguesa, eu continuo a julgar terapia de choque a poesia do Jorge. Artaud havia de gostar……….Descer a Avenida Almirante Reis a pé, da Praça do Chile ao Martim Moniz, faz bem ao sacro. As costas endireitam-se-nos num instante. Estava capaz de tatuar aquele par de mamas nas costas……….21000 pastéis de Belém por dia, em época de crise. Quase tantos quantas as obras do Museu Colecção Berardo. O C da colecção caiu e desfez-se em obra de arte contemporânea. Na exposição dedicada a Nikias Skapinakis eu ouvi: já não tenho paciência para decifrar obras. Ouvi: continuo a gostar muito de arte figurativa. Ouvi: sobretudo quando estão representadas figuras nossas conhecidas. E enquanto olhava Os Críticos (da esquerda para a direita: António Guerreiro, Pedro Mexia, Eduardo Pitta e Rogério Casanova), li na página em branco um desabafo de Natália Correia, com Fernanda Botelho e Maria João Pires ajoelhadas a seus pés (estavam as cadeiras do Botequim todas ocupadas): “a violência, enquanto conceito estético, deixou de me interessar, nem mesmo se aplicada no contexto doméstico, também não me interessa a morte e sobre o amor já disse tudo o que tinha a dizer, continua a preocupar-me o sentido da vida, na relação sempre conflituosa do homem com a natureza, do espaço com o tempo”. O público fala mais do que as obras, o público desabituou-se do silêncio e da contemplação, necessita de nomes para tudo como de ar para os pulmões, já não respira, sufoca. Não me revejo entre o público. Recolhi-me num quarto imaginário a exercitar a respiração……….Almoço na Graça, pela mão do Mário Calado Pedro. O Botequim estava fechado, mas mesmo ali ao lado o miradouro estava aberto. Lisboa é uma bela cidade quando apagamos na paisagem todos os resquícios de cagança……….Visita rápida à Fundação Calouste Gulbenkian para adquirir o último número da Colóquio/Letras, ainda ausente das FNAC. Não vinha aqui, provavelmente, desde a exposição dedicada a Amadeo de Souza-Cardoso. Sentei-me no jardim a ler a recensão. O mesmo vazio de sempre, a mesma letargia de sempre, nem um pingo de emoção. Consolo-me mais com um prato de conquilhas……….Pensão Amor: 150 imagens de retroerotismo espalhadas pelas paredes, decoração “nouveau démodé” inovando no excesso de conservação, desconfio sempre do erotismo encadernado, prefiro vê-lo sentado nas cadeiras, de boquilha esfumaçante entre os lábios e cocktail numa mão. A outra fica para gesticular. Em matéria de erotismo sou bastante conservador: odeio o conservadorismo, a sonsice e o romantismo bacoco das mulheres portuguesas……….O café Sol e Pesca, no Cais do Sodré, passou a fazer parte dos postais ilustrados da cidade depois da visita de Anthony Bourdain. É um belo postal ilustrado, com a vantagem de trazer putas por perto. Na conta da Mesa 23 podemos encontrar: escabeche de mexilhão, filete de peixe-espada, filete fumado de cavala, polvo com molho verde e filete fumado de truta. Cinco jarros de vinho branco. Não consta da factura a melhor das hipóteses: e se fôssemos a Guimarães? É o que Lisboa tem de favorável, partimos sempre de lá com ideias melhores do que aquelas que nos trouxeram até ela.

Sem comentários: