sexta-feira, 30 de novembro de 2012

SHANE (1953)




A paixão pelo western vem de muito cedo, quando era miúdo e me escondia atrás dos reposteiros à espera que os meus pais se fossem deitar. Depois ficava a ver os filmes que passavam na televisão, quase sempre westerns ou filmes de piratas com o Errol Flynn. Apesar de nunca ter gostado do Carnaval, a minha mãe insistia em mascarar-me. Os únicos disfarces que eu admitia sem reclamações eram os de índio ou de cowboy, sendo que para cowboy só podia aceitar um modelo: a camisola com tranças usada por Alan Ladd em Shane (1953). Há quem o considere o melhor western de todos os tempos, o que está longe de ser verdade. É um western melodramático, marcado pela presença constante de um miúdo que há-de ter contribuído fortemente para a empatia gerada pelo filme.

Talvez tivesse a mesma idade que Brandon de Wilde (1942-1972), tragicamente desaparecido num acidente de viação, quando vi Shane pela primeira vez. George Stevens (1904-1975), realizador oscarizado, rodou-o na ressaca da Segunda Grande Guerra, onde foi operador de câmara do exército norte-americano. O filme tem uma série de elementos que apontam para essa experiência, nomeadamente as dúvidas levantadas sobre o uso das armas. Não é por acaso que um dos grandes dilemas representados neste filme é o da possibilidade de uma vida pacata, regida pela justiça e longe dos conflitos armados. Alan Ladd (Shane) não tem a mística de outros pistoleiros, é demasiado límpido e melífluo. Sobre ele pesa, no entanto, um passado que nos é apenas revelado implicitamente e do qual se pretende libertar.

Ao passar casualmente pela pequena quinta de uma família tradicional, resolve largar o coldre e juntar-se a um grupo de agricultores que ali tentam fazer pela vida. Rapidamente se apercebe de que esse grupo de agricultores vive ameaçado por um criador de gado que lhes pretende tomar as terras, a bem ou a mal. Este é um dos aspectos verdadeiramente curiosos do filme, oferecer-nos a extensão da paisagem onde pequenos agricultores tentavam sobreviver arduamente à ganância e ambição de velhos colonos sem escrúpulos. Com a justiça distante (a autoridade mais próxima estava a 160Km), a lei fazia-se valer pela força. Ainda assim, estamos num momento de viragem e contenção. O próprio fazendeiro hesita em recorrer às armas, tenta negociar com os agricultores, ameaça-os sempre no cuidado de não poder vir a ser incriminado pela justiça.

Há ali um jogo incipiente de manipulação da moral, em função de interesses pessoais que chocam com a necessidade de impor justiça numa nação erigida a ferro e fogo. Shane é a personificação dessa viragem. Ele sabe que o tempo dos pistoleiros acabou, ao mesmo tempo que se vê na contingência de o fazer reviver. Pode um homem ser quem não é? -  pergunta-se a todo o momento.  A resposta surge no fim, depois do fazendeiro contratar um pistoleiro cuja função seria provocar os agricultores até que estes não resistissem ao impulso de sacar das armas e acabassem desfeitos pela rapidez e inclemência do misterioso Jack Wilson (Jack Palance himself). O que aqui temos é, pois, o velho conflito da natureza humana anedoticamente simplificado com a fábula do escorpião que ferra a rã enquanto esta o ajuda a atravessar o rio. Desculpe, não o pude evitar, é a minha natureza.

Tudo isto é filmado com um cuidado nos pormenores que facilmente nos faz crer na angústia daquelas personagens e no que separa os frágeis agricultores, nas suas pequenas quintas isoladas no meio de extensos vales, e a vida na cidade, com os homens do fazendeiro ambicioso aí concentrados. O realismo dos cenários, dos trajes, das falas, da postura das personagens, só perde para uma excessiva simplificação da relação mantida entre Shane e a família de agricultores que o acolhe. Marian e Joe são um casal afectuoso, dedicam toda a atenção ao pequeno Joey, mas estão longe de parecer verosímeis. Não seria fácil tornar explícito em 1953 o que George Stevens resolveu deixar na sombra, o fascínio de Shane exercido sobre Marian. No filme, esse fascínio fica mais óbvio no pequeno Joey. Mas é Marian, a mulher do mais inconformado dos pequenos agricultores, quem ali se sente perder nas malhas de uma paixão inexplicável. Mais tarde, Clint Eastwood mostrou-nos essa paixão de um modo autêntico. Foi em Pale Rider (1985).

2 comentários:

manuel a. domingos disse...

um dos filmes da minha infância. estou curioso para ver o resto dos filmes que vais escrever

je suis...noir disse...

"Shaaaaaneeee, come back!" :(