À semelhança de Jesse James, Billy the Kid é uma das
lendas do velho Oeste mais retratadas cinematograficamente. Também ele um fora
da lei, ficou célebre por ter defendido os interesses dos pequenos criadores de
gado, no Novo México, contra os interesses de poderosos rancheiros que
disseminavam pela paisagem os seus tapumes e arbitrariedades. Tanto James como
Kid, de seu verdadeiro nome William Henry McCarty, Jr, têm qualquer coisa de
Robin Hood do Novo Mundo, embora as circunstâncias em que actuavam permaneçam discutíveis.
O poder simbólico destes indivíduos é o da contracultura, marginais que
desafiam poderes instalados ou em vias de se instalarem, espíritos resistentes
cujo testemunho inspira gerações de libertários.
Curiosamente, o fim de ambos foi semelhante. Jesse James,
como vimos, foi assassinado pelas costas por um dos homens da sua confiança.
Tinha 35 anos. Billy the Kid morreu aos 21, assassinado à queima-roupa pelo seu
amigo Pat Garrett, um ex-pistoleiro convertido em xerife com a missão
específica de capturar Kid. Um dos filmes que melhor recriou esta relação entre
os dois foi Pat Garrett & Billy the Kid, de Sam Peckinpah (1926-1984) –
realizador a quem devemos alguns dos mais violentos westerns da história do cinema.
Longe da violência gratuita imposta pelo regime dos estúdios de Hollywood, com
cortes que adulteravam fatalmente a autoria dos realizadores, a versão pretendida
por Peckinpah para o seu Garrett versus Kid só foi conhecida muito depois do
ano de estreia.
James Coburn é Pat Garrett e Kris Kristofferson interpreta
Billy the Kid, num elenco riquíssimo que conta também com Jason Robards (o
Cheyenne de Once Upon a Time in the West) e a participação de Bob Dylan, autor
da banda sonora, no papel de Alias. A paisagem do filme de Peckinpah é árida,
não fugindo o realizador aos elementos que contribuíram para o estereotipar
como um dos mais violentos realizadores da história do western. Cenas de violação,
lutas de galos, putas desnudadas, cartuchos de balas saindo dos canos das
espingardas e estilhaçando corpos atirados contra a poeira, vertendo sangue por
todos os lados, são imagens de marca, mas Pat Garrett and Billy the Kid (em
Portugal, Duelo na Poeira), tem um elemento poético que o resgata do mero
exibicionismo.
Esse elemento é aquilo a que poderemos chamar de
cumplicidade entre duas forças opostas, neste caso dois homens afastados pela
interpretação das circunstâncias. Pat Garrett é a versão do carácter rendido à
mudança dos tempos, hipotecando convicções em prol de um subjectivo bem-estar
material. Kid é o contrário disto tudo, uma mente rebelde que não muda em favor
dos ventos, mantendo-se firme nos seus propósitos e recuando na fuga quando a
experiência lhe reclama ajustes de contas. Subentende-se no comportamento de
Garrett uma certa incoerência, sendo Kid, apesar da conduta questionável, o
protótipo do guerreiro obstinado.
Mas repare-se que estes opostos, apesar de afastados, não
estão separados. Há algo que os liga, algo de uma dimensão quase mística,
porque não explícita. Depois de disparar sobre Kid, Garrett dispara sobre o seu
reflexo num espelho porque sabe ter acabado de assassinar uma parte de si
mesmo. Foi o último gesto de uma traição que tem por vítima também o traidor. Pois,
ao matar Kid, o “xerife” Pat Garrett sabe estar a servir os interesses daqueles
que odeia, de uma lei que também o há-de varrer quando dele não precisar, a lei
dos homens com poder de mudar os tempos em favor dos interesses particulares.
Garrett sabe que assim é. No entanto, dispara. O porquê de assim ser nunca o entenderemos,
talvez seja culpa da inevitável natureza das coisas.
Sem comentários:
Enviar um comentário