Camarada Van Zeller, nasci numa terra que ficará eternamente
associada às mocas. Lá em casa evitávamos o assunto, por terem alguns costados
amigos ficado maltratados com a medicina do objecto. A verdade é que os
fascistas usavam-nas para afugentar comedores de criancinhas e estes delas se
serviam para arrumar de vez com os acólitos de Salazar. Ficou o trabalho por
fazer, num caso e no outro, porque entre o ir e vir da moca folgaram, não os
lombos, mas a vontade. De passeio entre o povo, uns entoando cantigas
revolucionárias, outros colados ao slogan ensaiado, muitos, demasiados, mudos
& calados como as pedras, ocorreu-me esta ideia maravilhosa: precisamos de
mais mocas. Vai daí, subi ao Bairro Alto. E só hoje de lá desci, tão alucinado
que andei nos últimos dias com as mais extraordinárias visões. Vi o salário de
Ricardo Salgado cair 31% em 2012. Agora apenas aufere 552 mil euros por ano, em
nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Deve fartar-se de trabalhar, o
desgraçado. E vi o economista Salgueiro defender um plano de emergência para
desempregados, que passe, a título de exemplo, pela limpeza das matas e das
ruas. Cenário mais eloquente não me ocorre para os desempregados portugueses.
Poderão também sentar-se à porta de um banco a engraxar sapatos. Quem sabe não venham
a cruzar-se com as solas rotas de Salgado & Salgueiro, podendo então
cuspi-las e dar bom uso à graxa com que meio mundo se desenrasca neste
plutocrático regime. Mas não vi apenas Salgado empobrecer e Salgueiro propor,
vi também um grupo de reformados indignados manifestando, civilizadamente, a
sua indignação. São um grupo de ex-banqueiros, com reformas entre os 1350€ e os
7500€, sendo que um deles, o cabecilha, aufere uma pensão mensal de 14 mil
euros. Vi-os indignarem-se contra o saque fiscal que lhes leva as reformas vergonhosamente
baixas, colocando-os numa situação de sacrifício que não estará longe da mais insustentável
pobreza. Salgado, Salgueiro e Pinhal eu vi, não querendo acreditar no que meus
olhos viam depois de ter descido a Avenida da Liberdade preso a uma tremenda
consternação. Já não sei, camarada, se é da moca ou ingenuidade. Será
estupidez? Depois de tudo isto eu ver, vi ainda o Primeiro-ministro, com um
fuinha sentado a seu lado, dizer que tudo está a fazer para que eu seja feliz,
enquanto o seu Ministro das Finanças se dirige ao melhor povo do mundo com a
mais estafada das imagens: “somos um povo de marinheiros capaz de superar as maiores
tormentas”. Chegado aqui, interrogo-me: mas quem cala definitivamente esta gente?
No meio do caos, no mais fundo da fossa, rodeado de excrementos, atolado em
porcaria, concluo que o pior desta crise tem sido trazer à superfície esta gente,
a sua forma de pensar, os seus anseios, as suas convicções. Saber que esta
gente existe e manda não é apenas deprimente, é um descalabro emocional que me
deixa sem qualquer esperança no futuro. Já nem nas mocas acredito, muitas
seriam necessárias para acabar o serviço que, pelos vistos, nem a meio ficou. Esta
gente existe, foi esta gente que nos trouxe onde estamos, é esta gente que se
contorce em propostas para nos retirar de onde nos colocou, como quis, quando
quis, porque quis. Esta gente é um facto, pensa, fala, age. E o povo que ora
sai à rua patrocinou durante décadas a existência desta gente com a sua
indiferença, com o seu desapego, com a sua letargia. Quer apostar comigo,
camarada Van Zeller, que este será o mesmo povo que, depois de suportar Salazar
durante 50 anos e Cavaco durante 20, irá masoquistamente voltar a legitimar no
poder esta companhia de ignóbeis actores?
2 comentários:
oh se vai, mais d, menos d...
plagiando o Pedro Serpa, oh se vai, mas há duvidas?...
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