O
Dicionário de Cinema de Jean Tulard deu uma ajuda. Na entrada dedicada a Lamont
Johnson (1922-2010) lê-se o seguinte: «Mais conhecido pela sua atividade na
televisão do que no cinema, Johnson assinou alguns filmes interessantes. O
Duelo era um western cativante: dois matadores falidos organizavam um duelo em
uma arena, do qual o vencedor embolsaria os lucros. Pouquíssimas vezes o fim do
Oeste dos caubóis e dos fora-da-lei foi evocado com tanta melancolia». Está
percebido que O Duelo é título da versão brasileira. Em Portugal, o filme
aparece com um nome mais sofisticado: Um de Nós Tem de Morrer. Gunfight no
original, esta obra de Lamont Johnson está repleta de curiosidades. Por
exemplo, os dois protagonistas são Kirk Douglas e Johnny Cash. Não é a primeira
vez que encontramos alguém do universo musical norte-americano no centro de um
western. Colocando de lado bandas sonoras inesquecíveis, como as de Ennio Morricone
para Sergio Leone, as de Elmer Bernstein para, entre outros, Henry Hathaway ou
as de Richard Hageman para John Ford, recordamos a presença do malogrado cantor
Ricky Nelson em Rio Bravo e a de Bob Dylan em Pat Garrett and Billy the Kid. São
dois momentos altos de uma relação, nem sempre feliz, entre os mundos da canção
e da interpretação. Neste caso, a presença de Johnny Cash, sempre vestido de
preto da cabeça aos pés, cai que nem uma luva na figura do pistoleiro arruinado
e só. Com um argumento escrito pelo experiente Harold Jack Bloom (nomeado para
um Oscar, em 1954, pelos diálogos do excelente The Naked Spur, de Anthony Mann),
Gunfight amealha pontos na coerência narrativa e num elenco que assegura a cada
um dos papéis uma personificação fiel. O cliché inicial, do forasteiro
solitário, empoeirado, negro e misterioso, a chegar a uma cidade perdida na
fronteira com o México, é desfeito na primeira cena em que Kirk
Douglas aparece (tenta descansar num quarto assaltado pelo ruído das máquinas
numa serração instalada nas imediações). Percebemos que já não estamos
propriamente no Velho Oeste, ou seja, numa imagem clássica, primitiva e tradicional do
Oeste representado nos filmes de Ford e Hawks. Will Tenneray (Kirk Douglas),
um velho pistoleiro que ganha agora a vida como atracção num bar local, fecha
desesperadamente as janelas, bebe água, observa o filho (curiosamente o jovem
Eric Douglas, filho de Kirk na vida real) a espalhar cartazes de uma tourada,
discute com a mulher, abraça-a, lamenta-se do cansaço. Ainda que conservando os resquícios
de um tempo perdido, este Oeste é novo e decadente. Os seus mitos acabam desmentidos
pelas fraquezas dos heróis, são atracção nocturna, comediantes, servem de
entretenimento para cowboys embriagados. Ao mesmo tempo que Will Tenneray se
queixa do cansaço, Abe Cross (Johnny Cash) chega à cidade arrastando o seu
cavalo coxo. Vítima do veneno de uma cobra, o cavalo acabará por sucumbir. O
seu enterro tem uma densidade metafórica difícil de reproduzir por palavras. O
que ali vemos a ser enterrado não é apenas um cavalo, é todo um modo de vida. A
Tenneray e Cross, reconhecidos como os mais rápidos pistoleiros do
Oeste, restam as recordações, aproximam-se julgando-se ambos mortos, apertam as
mãos, sorriem, encolhem os ombros. Mas logo Tenneray se lamenta: «Quando fingimos
muito tempo, esquecemo-nos daquilo em que nos tornamos. Até que nos vemos
espelhados no outro». E é ao ver-se espelhado em Cross que Tenneray se apercebe
da sua ruína. Já não é o ruído que o assalta, mas também o tédio, a frustração,
a nostalgia. O olhar destes homens é sobretudo nostálgico. O acordo a que
chegam para superarem a falência em que se encontram é já o gesto limite numa
sociedade onde o espectáculo dita as regras. A morte do Old West é
dramaticamente transposta para uma arena onde deveriam estar touros e toureiros.
Jenny (Karen Black), a rameira que satisfaz Cross, queixa-se do público, diz
que Abe e Will não se enfrentariam se não houvesse quem pagasse para ver. Mas
há. Há um público sedento de sangue, prestes a assistir à morte enquanto se
embriaga, ri, boceja, para no final abandonar o ringue em silêncio. É uma sequência
que merece ser revista:
Lamont
Johnson oferece-nos dois finais com dois possíveis vencedores. Desvia-nos a atenção
de uma crítica evidente à sociedade do espectáculo, tal como a pensaram Jean Baudrillard
e Guy Debord.
Para ele não é tão importante representar o entretenimento acéfalo das massas
como acaba por ser a evocação de um mito, a do pistoleiro solitário, errante,
nómada, inquieto, herói que ainda hoje persegue a história da América como uma
sombra.
Sem comentários:
Enviar um comentário