sábado, 20 de abril de 2013

A GUNFIGHT (1971)

O Dicionário de Cinema de Jean Tulard deu uma ajuda. Na entrada dedicada a Lamont Johnson (1922-2010) lê-se o seguinte: «Mais conhecido pela sua atividade na televisão do que no cinema, Johnson assinou alguns filmes interessantes. O Duelo era um western cativante: dois matadores falidos organizavam um duelo em uma arena, do qual o vencedor embolsaria os lucros. Pouquíssimas vezes o fim do Oeste dos caubóis e dos fora-da-lei foi evocado com tanta melancolia». Está percebido que O Duelo é título da versão brasileira. Em Portugal, o filme aparece com um nome mais sofisticado: Um de Nós Tem de Morrer. Gunfight no original, esta obra de Lamont Johnson está repleta de curiosidades. Por exemplo, os dois protagonistas são Kirk Douglas e Johnny Cash. Não é a primeira vez que encontramos alguém do universo musical norte-americano no centro de um western. Colocando de lado bandas sonoras inesquecíveis, como as de Ennio Morricone para Sergio Leone, as de Elmer Bernstein para, entre outros, Henry Hathaway ou as de Richard Hageman para John Ford, recordamos a presença do malogrado cantor Ricky Nelson em Rio Bravo e a de Bob Dylan em Pat Garrett and Billy the Kid. São dois momentos altos de uma relação, nem sempre feliz, entre os mundos da canção e da interpretação. Neste caso, a presença de Johnny Cash, sempre vestido de preto da cabeça aos pés, cai que nem uma luva na figura do pistoleiro arruinado e só. Com um argumento escrito pelo experiente Harold Jack Bloom (nomeado para um Oscar, em 1954, pelos diálogos do excelente The Naked Spur, de Anthony Mann), Gunfight amealha pontos na coerência narrativa e num elenco que assegura a cada um dos papéis uma personificação fiel. O cliché inicial, do forasteiro solitário, empoeirado, negro e misterioso, a chegar a uma cidade perdida na fronteira com o México, é desfeito na primeira cena em que Kirk Douglas aparece (tenta descansar num quarto assaltado pelo ruído das máquinas numa serração instalada nas imediações). Percebemos que já não estamos propriamente no Velho Oeste, ou seja, numa imagem clássica, primitiva e tradicional do Oeste representado nos filmes de Ford e Hawks. Will Tenneray (Kirk Douglas), um velho pistoleiro que ganha agora a vida como atracção num bar local, fecha desesperadamente as janelas, bebe água, observa o filho (curiosamente o jovem Eric Douglas, filho de Kirk na vida real) a espalhar cartazes de uma tourada, discute com a mulher, abraça-a, lamenta-se do cansaço. Ainda que conservando os resquícios de um tempo perdido, este Oeste é novo e decadente. Os seus mitos acabam desmentidos pelas fraquezas dos heróis, são atracção nocturna, comediantes, servem de entretenimento para cowboys embriagados. Ao mesmo tempo que Will Tenneray se queixa do cansaço, Abe Cross (Johnny Cash) chega à cidade arrastando o seu cavalo coxo. Vítima do veneno de uma cobra, o cavalo acabará por sucumbir. O seu enterro tem uma densidade metafórica difícil de reproduzir por palavras. O que ali vemos a ser enterrado não é apenas um cavalo, é todo um modo de vida. A Tenneray e Cross, reconhecidos como os mais rápidos pistoleiros do Oeste, restam as recordações, aproximam-se julgando-se ambos mortos, apertam as mãos, sorriem, encolhem os ombros. Mas logo Tenneray se lamenta: «Quando fingimos muito tempo, esquecemo-nos daquilo em que nos tornamos. Até que nos vemos espelhados no outro». E é ao ver-se espelhado em Cross que Tenneray se apercebe da sua ruína. Já não é o ruído que o assalta, mas também o tédio, a frustração, a nostalgia. O olhar destes homens é sobretudo nostálgico. O acordo a que chegam para superarem a falência em que se encontram é já o gesto limite numa sociedade onde o espectáculo dita as regras. A morte do Old West é dramaticamente transposta para uma arena onde deveriam estar touros e toureiros. Jenny (Karen Black), a rameira que satisfaz Cross, queixa-se do público, diz que Abe e Will não se enfrentariam se não houvesse quem pagasse para ver. Mas há. Há um público sedento de sangue, prestes a assistir à morte enquanto se embriaga, ri, boceja, para no final abandonar o ringue em silêncio. É uma sequência que merece ser revista:




Lamont Johnson oferece-nos dois finais com dois possíveis vencedores. Desvia-nos a atenção de uma crítica evidente à sociedade do espectáculo, tal como a pensaram Jean Baudrillard e Guy Debord. Para ele não é tão importante representar o entretenimento acéfalo das massas como acaba por ser a evocação de um mito, a do pistoleiro solitário, errante, nómada, inquieto, herói que ainda hoje persegue a história da América como uma sombra.

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