A Vida e Opiniões de Tristram Shandy acompanhou-me durante
as duas semanas de férias que não tive. Pelo meio, parei na Nova Iorque de
Homer & Langley. Houve ainda tempo para um curioso livro de Claude Chabrol
(Como fazer um filme) sobre o qual talvez venha a emitir algumas considerações.
Para a praia fui levando poesia: João Camilo (A Ignorância do Conhecimento),
Rosa Alice Branco (Concerto ao Vivo), Filipa Leal (Vale Formoso), Amadeu
Baptista (Açougue), Pedro Tiago (O Comportamento das Paisagens) e João Miguel
Henriques (Isso Passa). Pelo caminho terminei Crimes de Paixão, de Trevisan, e uma
preciosidade de Monteiro Lobato, criador de Sítio do Picapau Amarelo, com o
título Mundo da Lua. Mas nada se compara aos agradabilíssimos momentos
proporcionados pelas crónicas de Vasco Pulido Valente. Li todas as que fui
apanhando e mais algumas que levava de reserva, normalmente no Três Arquinhos,
na esplanada ou no interior do café, enquanto os velhos emborcavam bagaço e
filosofavam sobre o mau tempo com uma vivacidade semelhante à de VPV quando filosofa
sobre o país. É provável que o cronista já emitisse opiniões sobre o apocalipse
quando ainda era um espermatozóide nos testículos do progenitor, única situação
em que, de resto, alguma vez soubemos dele partilhando o espaço da sua
misantropia. Feitas as contas, há mais de 70 anos que VPV vaticina o fim, não
vê futuro em nada, olha com espanto incrédulo para o passado que não viveu, com
nojo para o presente que não quer viver e sem esperança para o futuro que
jamais viverá (porque no futuro nem ele nem o próprio futuro existirão). O país
bateu no fundo, há mais de 70 anos que bateu no fundo, sendo que há mais de 70
anos se previa que viesse a bater no fundo tendo no fundo já batido. E não
fosse a sua forma brocada, no fundo de há 70 anos teria ficado para sempre. Para mal dos nossos pecados, há sempre um fundo mais fundo do que o fundo onde o VPV coloca
tudo e mais alguma coisa. Só isso explica, por leis de uma lógica benévola (ou malévola, depende das perspectivas), que
ainda não tenhamos todos já desaparecido (embora VPV não nos veja) e até
façamos férias, piqueniques, manifestações e feiras populares. É um prazer
imenso lê-lo, um prazer incomparável que nenhum smartphone supera.
2 comentários:
Isso! Mas a malta lê...
Henrique,
As crónicas do VPV não são a leitura mais entusiasmante para umas férias!!!
A verdade, contudo, é que as recapitulações históricas que VPV deprimente, mas brilhantemente faz, nos permitiriam prever o futuro. A história tende a repetir-se...
AAS
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