segunda-feira, 12 de agosto de 2013

LEITURAS DE FÉRIAS

A Vida e Opiniões de Tristram Shandy acompanhou-me durante as duas semanas de férias que não tive. Pelo meio, parei na Nova Iorque de Homer & Langley. Houve ainda tempo para um curioso livro de Claude Chabrol (Como fazer um filme) sobre o qual talvez venha a emitir algumas considerações. Para a praia fui levando poesia: João Camilo (A Ignorância do Conhecimento), Rosa Alice Branco (Concerto ao Vivo), Filipa Leal (Vale Formoso), Amadeu Baptista (Açougue), Pedro Tiago (O Comportamento das Paisagens) e João Miguel Henriques (Isso Passa). Pelo caminho terminei Crimes de Paixão, de Trevisan, e uma preciosidade de Monteiro Lobato, criador de Sítio do Picapau Amarelo, com o título Mundo da Lua. Mas nada se compara aos agradabilíssimos momentos proporcionados pelas crónicas de Vasco Pulido Valente. Li todas as que fui apanhando e mais algumas que levava de reserva, normalmente no Três Arquinhos, na esplanada ou no interior do café, enquanto os velhos emborcavam bagaço e filosofavam sobre o mau tempo com uma vivacidade semelhante à de VPV quando filosofa sobre o país. É provável que o cronista já emitisse opiniões sobre o apocalipse quando ainda era um espermatozóide nos testículos do progenitor, única situação em que, de resto, alguma vez soubemos dele partilhando o espaço da sua misantropia. Feitas as contas, há mais de 70 anos que VPV vaticina o fim, não vê futuro em nada, olha com espanto incrédulo para o passado que não viveu, com nojo para o presente que não quer viver e sem esperança para o futuro que jamais viverá (porque no futuro nem ele nem o próprio futuro existirão). O país bateu no fundo, há mais de 70 anos que bateu no fundo, sendo que há mais de 70 anos se previa que viesse a bater no fundo tendo no fundo já batido. E não fosse a sua forma brocada, no fundo de há 70 anos teria ficado para sempre. Para mal dos nossos pecados, há sempre um fundo mais fundo do que o fundo onde o VPV coloca tudo e mais alguma coisa. Só isso explica, por leis de uma lógica benévola (ou malévola, depende das perspectivas), que ainda não tenhamos todos já desaparecido (embora VPV não nos veja) e até façamos férias, piqueniques, manifestações e feiras populares. É um prazer imenso lê-lo, um prazer incomparável que nenhum smartphone supera.

2 comentários:

rff disse...

Isso! Mas a malta lê...

Anónimo disse...

Henrique,

As crónicas do VPV não são a leitura mais entusiasmante para umas férias!!!
A verdade, contudo, é que as recapitulações históricas que VPV deprimente, mas brilhantemente faz, nos permitiriam prever o futuro. A história tende a repetir-se...

AAS