quarta-feira, 16 de outubro de 2013

IN SUMMER NO ONE DIES

 

O meu amigo Luís Germano tem bons genes. Também esconde uma inventividade que, de quando em vez, lá vai partilhando, muito timidamente, com os que lhe são mais próximos. Foi assim quando, já lá irão uns dez anos, andámos a espalhar poemas pelas caixas de Multibanco de Caldas da Rainha, quais professores Bambo, sob a forma de anúncios publicitários. Felizmente ninguém deu por nada. A indiferença salvou-nos da detenção e, muito provavelmente, de acusações sempre infundadas e caluniosas por crimes de burla. Voltei a sentir-lhe o estro em saudosas crónicas radiofónicas lidas aos microfones surdos-mudos da RLO (Rádio Litoral Oeste). Guardei algumas dessas prosas para mais tarde recordar. Agora, o escritor resolveu sair um pouco mais da carcaça do homem e, dando as mãos ao talento do rebento mais velho, a ilustradora Bárbara Fonseca, deixou-se mostrar neste delicioso livrinho caseiro intitulado No Verão Ninguém Morre/In Summer No One Dies. O título bilingue tem razões de ser, algumas das quais importa sublinhar. A Bárbara é ilustradora de méritos reconhecidos (1st Place at Amadora’s BD Festival 2005; 3rd Place at Amadora’s BD Festival 2007; 2nd Place at Amadora’s BD Festival 2009; Honour Prize at Virus BD 2008) que, para mal dos nossos pecados, teve que se fazer à vida em territórios longínquos porque no seu país não cabe o dom com que a Natureza a brindou. Se julgam que exagero, confiram por aqui: http://barbara-fonseca.tumblr.com/. Deste modo, os textos que acompanham as ilustrações suportam duas línguas: a de Camões, talvez menos acessível pela origem zarolha, e a de Shakespeare, imposta ao mundo como sendo a todos compreensível. A partir do próximo Sábado, e até 13 de Novembro, os desenhos da Bárbara poderão ser apreciados na Ó! Galeria (Rua Miguel Bombarda, 61, 4050-380 Porto), assim como o livrinho poderá aí ser adquirido e os textos lidos. Bem merecem! As estórias de No Verão Ninguém Morre têm na sua raiz uma imaginação invejável. Partindo de elementos concretos associáveis às férias de Verão, o autor desenvolve pequenas narrativas onde a realidade é subvertida com um sentido plástico que aproxima estes textos do universo surrealista de um Mário-Henrique Leiria. É curioso notar, logo na introdução, um exercício de ironia sobre o olhar estereotipado que julgamos ser o dos estrangeiros sobre nós próprios. A escrita contorce-se neste sentido: ao mesmo tempo que de algum modo se auto-ironiza, Luís Germano expõe e satiriza aspectos culturais que dividem os povos europeus. Veja-se como se apresenta: «Nos poucos momentos em que não estou entregue ao ócio típico dos habitantes do sul da Europa, sou professor bibliotecário». Mais à frente, teremos a história de um turista que vem para Portugal passar férias, refastela-se num banquete de sardinhas gordas e cheias de ovas, para acabar, já no seu país, a expelir um cardume de sardinhas juvenis. Estes contos presenteiam-nos com fenómenos estranhos, transfiguram a alegria veranil com um sentido de humor ao mesmo tempo negro e inofensivo (como a estória do chapéu de sol descontrolado que, movido por um vento forte e súbito, acaba por perfurar os veraneantes que debaixo dele se protegiam). É comum encontrarmos situações destas onde as personagens são surpreendidas pelo acaso, um acaso que lhes mina as certezas e destrói os preconceitos, deixando-as à mercê da contingência. Depois temos aquele mundo tim-burtoniano de personagens com “defeitos de fabrico” apartadas da normalidade (o rapaz muito peludo ou o homem-lapa), ao mesmo tempo que temos uma normalidade que acaba por se revelar bastante perniciosa: é o caso do homem que seguiu à risca as instruções da médica para se proteger do sol, aplicando um protector de alto factor, acabando por ficar tão branco que se desfez num líquido leitoso absorvido pela areia. As ilustrações da Bárbara, com o seu traço sinuoso, fazem justiça a este universo, dialogam com ele de um modo dinâmico, projectando coerentemente as imagens que os textos nos sugerem. Olhar para as ilustrações coloca-nos numa posição complexa, é como se estivéssemos a ver o nosso pensamento no instante da leitura. Não negam o texto nem o absorvem, complementam-no com inquestionável riqueza estética. Havendo interesse no livro, poderão sempre contactar a Bárbara ou o Luís no Facebook ou a partir do contacto existente no link supra e neste da galeria Bootsbau: http://www.bootsbauproject.de/ .

1 comentário:

Tétisq disse...

Eu gostava de encontrar um poema no multibanco...ultimamente não tiro de lá nada de jeito e um poema ou um desenho, não me reconciliaria com o sistema bancário mas tornava o uso da máquina mais apelativo.