sexta-feira, 29 de novembro de 2013

«COMO DÓLMENES EM VOLTA DA MINHA INFÂNCIA, OS VELHOS»


Como dólmenes em volta da minha infância, os velhos.
Jamie MacCrystal cantava para si,
Uma canção de pé quebrado, sem melodia nem palavras;
Dava-me uma moeda a cada dia de pensão,
Dava migalhas caridosas aos pássaros do Inverno.
Quando morreu, assaltaram-lhe a pequena casa de campo,
Colchão e caixa do dinheiro desfeitos e revolvidos.
Só o cadáver não perturbaram.

Maggie Owens vivia rodeada de animais,
Uma rafeira e uns cachorritos trementes,
Até no quarto berrava uma cabra.
Era uma coscuvilheira temível,
Pregoeira acerada de todo o povoado:
Diziam-na bruxa. Tudo quanto descobri
Foi uma desolada necessidade de escárnio.

Os Nialls viviam numa azinhaga montanhosa,
Onde cresciam urzes, renques de dedaleiras.
Todos cegos, com pensão por cegueira e acesso remoto,
Olhos mortos, súbitos como serpentes, quando alguém
Entrava para se abrigar de um aguaceiro na serra.
Debaixo de um carreiro rochoso cantavam os grilos
Até brilhar de novo um sol enlodado.

Mary Moore vivia num forte em ruínas,
Famoso como Pisa pela sua empena inclinada.
De avental e botas, marchava pelos campos,
Conduzia o magro gado desde um estábulo enlameado.
Um bastião da agressividade, adormecia
Em cima da cartilha de histórias românticas,
Sonhava com ciganos rituais amorosos, selados à luz do fogo.

O bruto do Billy Eagleson casou com uma criada católica,
Quando toda a família faleceu.
Dançávamos à sua volta, gritando «Prò Diabo co reizinho»,
E desviávamo-nos do arco do seu arbusto.
Abandonado pelas duas fés, pouco se mostrava preocupado,
Até que os tambores d'Orange troaram pelo Verão,
Com o brilho agressivo de chapéus e de faixas.

Cura e doutor arrastaram-se para os servirem,
Com neve pelo joelho, ou no calor do Verão,
De estrada pra quelha, caminhos de cabras,
Sorvendo doloridos o ar dos montes.
Às vezes, achavam-nos os vizinhos,
Guardiães mudos de um fogo apagado,
De repente lançados no molde da morte.

John Montague, in Estradas Secundárias - doze poetas irlandeses, selecção, posfácio e tradução de Hugo Pinto Santos, Artefacto, Junho de 2013, pp. 41-43.


P.S.:

Ancient Ireland, indeed! I was reared by her bedside,
The rune and the chant, evil eye and averted head,
Fomorian fierceness of family and local feud.
Gaunt figures of fear and of friendliness,
For years they trespassed on my dreams,
Until once, in a standing circle of stones,
I felt their shadows pass

Into that dark permanence of ancient forms.

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