Tomando como referência a data de edição, escolhi um livro
por mês dos publicados este ano em Portugal. O critério é apertado,
obrigando-me a deixar de fora algumas leituras agradáveis e até surpreendentes.
Ainda assim, são exemplos de um ano onde, feito o
exercício, são melhores as lembranças do que piores as memórias. O tempo
ensina-nos a recalcar com eficácia, a leitura distrai-nos e matura-nos. Neste
domínio dos livros, e porque deles ando rodeado, devo acrescentar apreensões
relativas ao afunilamento aparentemente inevitável dessa coisa chamada mercado.
A megalomania do Projecto Vila Literária de Óbidos não faz esquecer o fecho
da Livraria Sá da Costa, simbólico de uma decadência assustadora nos hábitos de
consumo culturais, e os protestos justificados dos chamados livreiros
independentes, por ocasião da Feira do Livro de Lisboa e, mais recentemente, no
contexto das campanhas de Natal levadas a cabo pelas grandes superfícies onde
se comercializam livros. Isto aconteceu no ano em que uma editora de seu nome
& etc comemorou 40 anos de edição livre, no ano em que a Relógio d’Água
viu o seu esforço brindado com mais um Prémio Nobel no catálogo, no ano em que a
Antígona continuou a resistir com excelentes livros e sem ceder um milímetro à
doença dos mercados, no ano em que Maria Teresa Horta deu o exemplo recusando
receber das mãos de um imbecil inimigo do saber, da cultura e do conhecimento,
o Prémio D. Dinis, mas também no ano em que os livros de Herberto se
transformaram num apetecível investimento mercantilista e a poesia portuguesa
contemporânea saiu ridicularizada com um infeliz artigo publicado no Ípsilon e
o jornalismo literário perdeu uma boa oportunidade de se redimir com um exercício
falhado de sub e sobrevalorizações. Fiquem, pois, os livros:
Sam Savage, As Recordações de Edna
Tradução de Sofia Gomes, Planeta Manuscrito
Janeiro
Foi objecto de justificadas constelações no jornalismo
especializado, mas acaba estranhamente esquecido nas tradicionais listas de
fim-de-ano. Edna é uma personagem para a vida e Sam Savage um grande escritor.
Escrevi sobre o livro aqui.
Afonso Cruz, O Livro do Ano
Editora Objectiva / Alfaguara
Fevereiro
Afonso Cruz tem vindo a transformar-se num dos escritores
portugueses contemporâneos mais agradáveis de acompanhar. Além do romance Para
Onde Vão os Guarda-Chuvas, publicou no início do ano este livro onde texto e
ilustração se equilibram com inquestionável beleza.
Flann O'Brien, Uma Caneca de Tinta Irlandesa
Tradução de Maria João Freire de Andrade, Cavalo de Ferro
Março
At Swim-Two-Birds marca a chegada de Flann O’Brien,
pseudónimo de Brian O’Nolan (1911-1966), às livrarias portuguesas. Romance ao
mesmo tempo experimental e satírico, mantém uma impressionante pertinência. É um
dos melhores livros que alguma vez li.
J. Rentes de Carvalho, Mentiras & Diamantes
Quetzal
Abril
Por razões pessoais, este original de J. Rentes de Carvalho deixou
de ser para mim apenas um livro como os outros. Levou-me até ao Carrascalinho,
numa peregrinação solitária que jamais esquecerei. Sobre o objecto em si, disse
aqui de minha justiça.
Herberto Helder, Servidões
Assírio & Alvim
Maio
Em meia dúzia de dias, talvez nem tanto, a edição estava
esgotada. Encontra-se on-line inflacionado na ordem dos 300%. Quem o quis partilhar
em versão PDF viu-se travado pelos capangas do grupo editorial que detém os direitos
de comercialização. Nada disto tem que ver com poesia, o autor também não pode
ser responsabilizado. Sobre a estupidez humana paira a sua poesia.
Estradas Secundárias - Doze Poetas Irlandeses
Selecção, posfácio e tradução de Hugo Pinto Santos
Artefacto
Junho
Longe de ser perfeita, esta antologia constitui um esforço
louvável de uma pequena editora na divulgação da poesia feita num país onde, de
facto, se gosta de poesia. Em edição bilingue, pode e deve ser porta aberta ao
encontro de imensos poetas imperdíveis.
Pär Lagerkvist, O Anão
Tradução de João Pedro de Andrade, Antígona
Julho
O sueco Pär Lagerkvist foi Nobel da Literatura em 1951.
Lembrados disso pela editora refractária Antígona, ficámos a conhecer O Anão. Pequeno
romance onde as ambiguidades humanas assumem uma clareza rara. Conto escrever
sobre ele em breve.
David Priestland, A Bandeira Vermelha - História do Comunismo
Tradução de Manuel dos Santos Marques, Texto Editores
Agosto
Esta história do comunismo tem o interesse particular de
olhar para a política na sua relação com as artes e a cultura. Trabalho extenso,
surge em Portugal no ano em que Cunhal foi líder de audiências e o PCP readquiriu
força eleitoral. Escrevi sobre o livro aqui.
Gonçalo M. Tavares, Atlas do Corpo e da Imaginação
Caminho
Setembro
Estou a ler, vou lendo, hei-de ler. Gonçalo M. Tavares tem
sobre os da sua geração a vantagem de reflectir. Não se limita a pensar,
esforça-se por ir mais além e vai. Acompanhamo-lo nesse nomadismo intelectual e
nunca nos arrependemos. Para lá dos géneros e dos tipos, essencial.
John Fante, Estrada Para Los Angeles
Tradução de Vasco Gato, Editora Objectiva / Alfaguara
Outubro
Chegaram-me às mãos na mesma altura. Este e Histórias de
Loucura Normal, de Charles Bukowski. Ambos com tradução do poeta Vasco Gato,
desempoeiram os dias. Fante andava a ser
publicado pelas Edições Ahab, depois da Teorema ter editado há anos A Confraria
do Vinho. Boas companhias.
& etc - Uma Editora no Subterrâneo
Coordenação de Paulo da Costa Domingos, Letra Livre
Novembro
Disse e repito: um dos livros mais importantes publicados
este ano em Portugal. Colocando de lado a dimensão comemorativa, importa
sublinhar aqui o exemplo de resistência e a capacidade de, contra todas as
expectativas, manter os náufragos à superfície.
Margarida Vale de Gato, Mulher ao Mar - Retorna
Mariposa Azual, 3.ª Edição
Dezembro
Discordo de quem afirma ter 2013 sido um bom ano para a
poesia portuguesa, mas também não me perturbarei com o assunto. Tenho ali na
secretária uma pilha de livros para ler. Este será, em parte, relido. Em parte
lido. Nunca um poema se lê duas vezes da mesma maneira. Saúde,
2 comentários:
Foi um bom ano.
Desses, só li o Lagerkvist (numa edição da Portugália); lembro-me de ter gostado, mas desvaneceu-se-me. Tenho o do O'Brien na fila.
Parecem-me excelentes propostas, assim como me parece de uma estupidez extrema a questão "Herberto Hélder". Enfim, valham-nos os bons livros que ainda vamos conseguindo encontrar e comprar.
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