Na última lição de Alberto Pimenta na UNL, a que tive o
prazer de assistir através de um vídeo partilhado no Facebook pela minha amiga
Maria João Lopes Fernandes, o autor de Discurso Sobre o Filho-da-Puta afirma
que a função da poesia é dizer o indizível. Como todos os paradoxos, também
este é sedutor. No entanto, nada diz. Descrente de uma função para a poesia,
que ao longo dos tempos foi tanto sublimar como desvelar, divertir ou elogiar,
creio que ao poder ser dito, sob que forma seja, o indizível passa a ser dizível.
Postulando a existência desse indizível, parece-me mais concordante com a sua
natureza assumir a impossibilidade de exprimi-lo. Tomemos de exemplo o amor,
tema desde sempre caro aos poetas. Presumimos a sua existência e procuramos dizê-lo,
vasculhando no vocabulário disponível conjugações de palavras que possam
resultar num termo para tão esquivo sentimento. Num belo e longo poema
intitulado Epipsychidion, Percy B. Shelley verseja o seguinte:
(…)
O Amor é como o entendimento, que se torna brilhante
ao contemplar múltiplas verdades; é como a tua luz,
Imaginação!, que desde a terra e o céu,
E das profundidades da fantasia humana,
igual a mil prismas e espelhos, enche
o universo de gloriosos raios, e destrói
o erro, esse verme, com as inúmeras setas solares
da própria luz que reverbera: ah! como são estreitos
o coração que ama, o cérebro que contempla,
a vida que se consome, o espírito que gera
um único ser, uma só forma, e assim edifica
um sepulcro para toda a sua eternidade.
(…)
(tradução de Fernando Guimarães, in Poesia Romântica
Inglesa, 3.ª edição, revista e aumentada, Relógio D’Água, Fevereiro de 2012)
Não me cabe determinar se o indizível foi ou não exprimido nos
versos de Shelley, sendo-me certo que soam agradáveis e enigmáticos a quem os
leia. Pelo menos, assim me soam a mim. O próprio título do poema obriga a uma
nota por parte do tradutor: «A palavra forjada epipsychidion, que não se
encontra nos autores gregos, significaria a união de duas almas. Foi
inspiradora do poema Emília Viviani (embora se conheçam esboços parciais do
poema anteriores às relações do poeta com Emília), jovem italiana que tinha
sido encerrada num convento pelo pai, que, assim, pretendia forçá-la a um
casamento de conveniência». Shelley, que segundo Hélène Fleury escreveu sempre
tomado pela «vontade de levantar o véu que cobre todas as opressões, de fazer
da imaginação uma força capaz de pesar na realidade histórica», ter-se-á
deixado assaltar pela paixão e pela revolta para que os versos pudessem surgir
como uma espécie de explosão onde a pólvora da linguagem permite desbravar
caminho para territórios livres com novas construções imagéticas a serem aí alicerçadas. Não
sei se a isto se chama dizer o indizível. Talvez seja mais correcto falar numa expedição
pelo estreito onde a imaginação toca o pensamento. Pelo menos, também é assim
que consigo entender aquele que foi, para mim, o melhor poema alguma vez
escrito por Shelley. Quem nos dá conta dele é, precisamente, Hélène Fleury, no
estudo que introduz a edição de A Máscara da Anarquia (tradução de Eduarda Dionísio,
& etc, Setembro de 2008):
Com Harriet e uma jovem amiga que tinha vindo partilhar com
eles o sonho de uma comunidade actuante, quer associar ao poder do vento e aos
prodígios da física a sua mensagem de libertação. Os três amigos fabricam
pequenos balões de seda, movidos por uma mecha acendida na parte de baixo. Enchem-nos
de escritos rebeldes antes de os largar, «balões carregados de saber», no céu
nocturno de Inglaterra. Se muitos caem rapidamente em tochas a arder, outros
continuarão o seu caminho celeste, portadores da balada Devil’s Walk e de uma
Declaração dos Direitos, que Shelley tinha redigido em solo irlandês. Com a
mesma Declaração enrolada – que termina pelo apelo à acção tirado do Paraíso
Perdido do poeta revolucionário Milton: «Acorda! Levanta-te ou fica por terra
para sempre» - enchem garrafas que vão deitar ao mar, em grande quantidade, ao
encontro de companheiros de luta.
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