Ainda não fez um ano, iniciei uma série a que chamei
algo pretensiosamente 50 westerns que deve ver antes de morrer. Empreitada impossível
de respeitar. Desde logo, porque fiz batota com um filme de Jean Renoir
dificilmente encaixável no género. Depois, porque me apetece fazer batota com
outros filmes. Mas sobretudo porque 50 não chega, é número parco para tão vasto
território. Se ninguém notou, sublinho eu o esforço colocado na diversidade. Esforço
inglório, reconheço. Só de John Sturges (1910-1992) já constam na lista cinco
filmes: Escape from Fort Bravo (1953), Backlash (1956), Gunfight at the O.K.
Corral (1957), Last Train from Gun Hill (1959) e The Magnificent Seven (1960). São
todos imperdíveis. Ainda assim, falta aquele que é provavelmente o melhor filme
de Sturges: Bad Day at Black Rock/A Conspiração do Silêncio (1955). Geralmente
apontado como thriller, não deixa de ser, na essência, um western. E falta o
talvez mais convencional The Law and Jake Wade/Duelo na Cidade Fantasma (1958).
Deste modo, Sturges fica a pesar mais de 10% na improvisada lista. Constatação
algo inusitada para realizador que nunca mereceu tantos créditos quanto
outros gurus do género, de John Ford (1894-1973) a Anthony Mann (1906-1967),
deste a Sam Peckinpah (1926-1984), sem esquecer Sergio Leone (1929-1989) e
outros génios da cowboyada. The Law and Jake Wade tem argumento baseado num
romance de Marvin H. Albert, cuja experiência no domínio dos westerns deu azo a
uma mão cheia de filmes. Curiosamente, o título português acaba por parecer mais
apropriado do que o paradoxo implícito no título original. Jake Wade é um fora
da lei retirado, convertido em Marshall numa pequena cidade onde procura
refazer a vida. Está de casamento marcado. A personagem, interpretada por
Robert Taylor, reproduz estereótipos sobejamente conhecidos do velho oeste. Ao longo
do filme apercebemo-nos do percurso de Jake Wade, de como combateu durante a
guerra ao lado de uma causa, de como ficou deserdado de causas e se transformou
num assaltante de bancos, de como abandonou o submundo da criminalidade e
procurou refazer a vida segundo as convenções sociais da época. Não só a
história do velho oeste se polvilha destas personagens, homens fruto das
circunstâncias ao mesmo tempo marcados por uma consciência natural do mal e
pelo oportunismo discutível das suas acções. O que torna Jake Wade especial,
digno de originar um filme, é a sua relação com Clint Hollister - Richard Widmark, que observámos em registos completamente
diferentes nos filmes Backlash (1956) e Cheyenne Autumn (1964). A personagem de
Clint Hollister é implacável, rancorosa, temível. Jake e Clint estiveram juntos
na guerra, foram parceiros no mesmo gang, mas enquanto o primeiro foi assaltado
pelo remorso o segundo parece ter expurgado de si quaisquer resquícios de culpa
ou arrependimento. O filme começa com Clint preso e Jake a resgatá-lo da forca,
numa sequência inicial memorável onde o reencontro entre dois antigos parceiros
surge despojado de qualquer sentimentalismo. É tudo de uma frieza brutal,
como fria e distante será doravante a relação entre os dois. Perguntamo-nos:
porque se deu Jake ao trabalho de salvar Clint da forca? Porque em Jake a honra
pesa, ser-lhe-ia impossível continuar com a morte de um antigo companheiro a
pesar-lhe na consciência. O filme dá então uma reviravolta. Clint junta a
antiga quadrilha, acrescenta-lhe um jovem com traços psicóticos, e rapta Jake
mais a sua amável noiva (Patricia Owens). Objectivo: desenterrar 20000 dólares
que só Jake Wade sabe onde estão, fruto do último golpe perpetrado pela parelha
Jake & Clint. A busca do tesouro levar-nos-á a uma cidade fantasma rodeada
de índios. São cenas encenadas com uma eloquência visual deslumbrante. As silhuetas
dos índios ao longe, a forma como se aproximam do cenário principal, o combate,
escondem por detrás da acção uma luta peculiar entre dois homens: Jake e Clint.
Tudo aponta na direcção destes dois, nada os reaproxima, um deles terá que ceder e no
final ficarão frente a frente como uma inevitabilidade do destino. Não interessa
quem vence, porque neste tipo de duelos nunca existem vencedores. Interessa apenas
sublevar o campo de batalha de dois homens outrora unidos por uma causa,
entretanto afastados pelo carácter. Abel e Caim no palco sempre virgem da
humanidade, como o foram, noutro contexto, Pat Garrett e Billy the Kid ou
Fletcher e Josey Wales.
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