segunda-feira, 3 de março de 2014

THE INDIAN FIGHTER (1955)



Quatro anos antes de ter estreado a obra-prima Day of  the Outlaw (1959), André de Toth (1912-2002) filmou The Indian Fighter/O Caçador de Índios (1955). É outra das felizes incursões do realizador húngaro pelo western. O elenco tem algumas curiosidades. Por exemplo, Hank Worden, que vimos no papel caricato de Mose Harper  em The Searchers (1956), aparece aqui a fazer de índio e de guarda prisional. Enquanto índio, encarna o inofensivo Crazy Bear, com inclinação para a bebida, que alguns colonos mal-intencionados aldrabam trocando pepitas de ouro por garrafões de aguardente. Um destes colonos de má rês é Walter Matthau, à época com carreira essencialmente desenvolvida em séries televisivas. Lon Chaney Jr., que participou no multipremiado High Noon (1952), faz parelha com Matthau no domínio da intrujice. Outro par curioso é o protagonizado por Kirk Douglas, a quem coube o papel principal, e a sua ex-mulher Diana Douglas - que durante o filme bem se esforça para conquistar o coração de Johnny Hawks, herói sobre o qual recaem todas as atenções. No entanto, Hawks está mais interessado numa jovem de nome Onahti. Elsa Martinelli, actriz italiana, é a pele vermelha com quem Kirk Douglas rebolará nas águas translúcidas do território Sioux. 
O filme conta a história clássica de um ex-combatente da Guerra Civil, recrutado pelo exército norte-americano para liderar a deslocação de uma caravana através de território supostamente hostil. Johnny Hawks, conhecido como “caçador de índios”, mantém relações privilegiadas com o chefe Sioux da região. Apesar do título que a história lhe outorgou, o seu à-vontade entre a comunidade indígena permite-lhe negociar com os chefes tribais momentos de paz e de tolerância. Além disso, está de beiço caído por Onahti. A narrativa desenvolve-se a partir de uma sucessão de equívocos que atiçam chamas entre as as duas comunidades. Colonos e indígenas parecem incapazes de conviver, por culpa de momentos de tensão provocados pelos trafulhas que querem ouro em troca de uísque. Red Cloud queixa-se a Hawks das ambições dos caras pálidas, dos búfalos exterminados, da beleza natural da paisagem que o “mundo civilizado” se encarrega de devastar.  Hawks é uma ponte instável entre dois mundos, personagem típica de um mundo civilizado que encontra na face selvagem do mundo as raízes da sua natureza. 
Não obstante, o filme de André De Toth transcende estes elementos narrativos e envereda por uma espécie de homenagem velada ao próprio cinema enquanto registo privilegiado da realidade. Há no elenco uma personagem curiosa e simpática, interpretada por Elisha Cook Jr. (participou em Shane), que é a do militar que carrega uma máquina fotográfica e vai registando ao longo da digressão diversos momentos: o encontro dos índios com o exército no forte, a paisagem selvagem do Velho Oeste, as trocas comerciais entre índios e colonos, as batalhas. Numa conversa que mantém com Hawks, esta personagem, de seu nome Briggs, refere-se a um tal de Brady com quem trabalhou durante a Guerra Civil Americana. Trata-se de Mathew B. Brady, mítico fotógrafo americano a quem se atribui muitas vezes a invenção do fotojornalismo. A sua documentação da guerra é, de facto, impressionante. 
Toda a gente conhece hoje o rosto de Walt Whitman graças a Mathew Brady. Poderá parecer pouco provável que um militar norte-americano colocado nas terras distantes do Old West tivesse a sensibilidade do simpático Briggs, captando a beleza da paisagem em fotografias que, segundo ele, um dia fariam história. Mas a realidade é isto mesmo, e isto mesmo o filme de André De Toth se encarrega de mostrar com os seus adereços narrativos. A perspectiva oferecida pelo realizador não toma partido, limita-se a reproduzir com fiabilidade possível os rios de sangue que tingiram a terra, as ambiguidades, a ganância e o oportunismo que transformaram para sempre o panorama da região. O poder da arte também é testemunhar, outorgando esse testemunho aos vindouros, para que no futuro o passado possa ser reflectido na sua inestimável diversidade.

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