Quatro anos antes de ter estreado a obra-prima Day of the Outlaw (1959), André de Toth (1912-2002)
filmou The Indian Fighter/O Caçador de Índios (1955). É outra das felizes incursões do realizador húngaro pelo western. O elenco tem algumas curiosidades. Por exemplo,
Hank Worden, que vimos no papel caricato de Mose Harper em The Searchers (1956), aparece aqui a fazer
de índio e de guarda prisional. Enquanto índio, encarna o inofensivo Crazy
Bear, com inclinação para a bebida, que alguns colonos mal-intencionados aldrabam
trocando pepitas de ouro por garrafões de aguardente. Um destes colonos de má rês
é Walter Matthau, à época com carreira essencialmente desenvolvida em séries
televisivas. Lon Chaney Jr., que participou no multipremiado High Noon (1952),
faz parelha com Matthau no domínio da intrujice. Outro par curioso é o
protagonizado por Kirk Douglas, a quem coube o papel principal, e a sua
ex-mulher Diana Douglas - que durante o filme bem se esforça para conquistar o
coração de Johnny Hawks, herói sobre o qual recaem todas as atenções. No
entanto, Hawks está mais interessado numa jovem de nome Onahti. Elsa
Martinelli, actriz italiana, é a pele vermelha com quem Kirk Douglas rebolará
nas águas translúcidas do território Sioux.
O filme conta a história clássica
de um ex-combatente da Guerra Civil, recrutado pelo exército norte-americano
para liderar a deslocação de uma caravana através de território supostamente
hostil. Johnny Hawks, conhecido como “caçador de índios”, mantém relações privilegiadas
com o chefe Sioux da região. Apesar do título que a história lhe outorgou, o
seu à-vontade entre a comunidade indígena permite-lhe negociar com os chefes
tribais momentos de paz e de tolerância. Além disso, está de beiço caído por
Onahti. A narrativa desenvolve-se a partir de uma sucessão de equívocos que
atiçam chamas entre as as duas comunidades. Colonos e indígenas parecem incapazes
de conviver, por culpa de momentos de tensão provocados pelos trafulhas que
querem ouro em troca de uísque. Red Cloud queixa-se a Hawks das ambições dos
caras pálidas, dos búfalos exterminados, da beleza natural da paisagem que o “mundo
civilizado” se encarrega de devastar. Hawks
é uma ponte instável entre dois mundos, personagem típica de um mundo
civilizado que encontra na face selvagem do mundo as raízes da sua natureza.
Não obstante, o filme de André De Toth transcende estes elementos narrativos e
envereda por uma espécie de homenagem velada ao próprio cinema enquanto registo
privilegiado da realidade. Há no elenco uma personagem curiosa e simpática,
interpretada por Elisha Cook Jr. (participou em Shane), que é a do militar que
carrega uma máquina fotográfica e vai registando ao longo da digressão diversos
momentos: o encontro dos índios com o exército no forte, a paisagem selvagem do
Velho Oeste, as trocas comerciais entre índios e colonos, as batalhas. Numa
conversa que mantém com Hawks, esta personagem, de seu nome Briggs, refere-se a
um tal de Brady com quem trabalhou durante a Guerra Civil Americana. Trata-se
de Mathew B. Brady, mítico fotógrafo americano a quem se atribui muitas vezes a
invenção do fotojornalismo. A sua documentação da guerra é, de facto,
impressionante.
Toda a gente conhece hoje o rosto de Walt Whitman
graças a Mathew Brady. Poderá parecer pouco provável que um militar
norte-americano colocado nas terras distantes do Old West tivesse a
sensibilidade do simpático Briggs, captando a beleza da paisagem em fotografias
que, segundo ele, um dia fariam história. Mas a realidade é isto mesmo, e isto
mesmo o filme de André De Toth se encarrega de mostrar com os seus adereços
narrativos. A perspectiva oferecida pelo realizador não toma partido, limita-se
a reproduzir com fiabilidade possível os rios de sangue que tingiram a terra,
as ambiguidades, a ganância e o oportunismo que transformaram para sempre o panorama
da região. O poder da arte também é testemunhar, outorgando esse testemunho aos
vindouros, para que no futuro o passado possa ser reflectido na sua inestimável
diversidade.
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