sexta-feira, 9 de maio de 2014

THE COWBOYS (1972)


À semelhança de The Spikes Gang (1974), outro western da década de 1970 marcado pela passagem de testemunho é The Cowboys (1972). Aqui, ao contrário do que tantas vezes acontece, estamos verdadeiramente na presença de um filme de cowboys. Mark Rydell (n. 1929), realizador competentíssimo nomeado para um Oscar por On Golden Pond/A Casa do Lago (1981), oferece a John Wayne uma derradeira possibilidade de brilhar. O rancheiro Wil Andersen retoma muitas das características do magnífico Thomas Dunson de Red River/O Rio Vermelho (1948), nomeadamente traços de carácter cuja inflexibilidade perdura no tempo. Wayne está mais velho, assim como a sua personagem, embora ambos mantenham o orgulho intacto, uma coragem que se mistura com teimosia, persistência, obstinação e, sobretudo, sobre todos, uma tremenda vontade de vencer. Rydell sublinha esses traços, acrescentando-lhes marcas que farão deste rancheiro, mais do que um chefe, um verdadeiro pai.
Baseado num controverso romance de William Dale Jennings, conhecido no universo das reivindicações LGBT como fundador da Mattachine Society, o filme sofreu algumas adaptações no argumento que, de certo modo, expurgaram eventuais alusões homossexuais. O que nos é dado a ver é um grupo de adolescentes iniciando-se na vida adulta. A título de curiosidade, refira-se que muitos dos miúdos que fazem parte do elenco não tiveram outras experiências de representação dignas de nota. As excepções foram Norman Howell (iremos vê-lo em Dances with Wolves/Danças com Lobos) e Robert Carradine (rebuscado por Tarantino para o seu Django), assim como A Martinez, o bastardo rebelde do grupo. Entre ambos, dois pesos pesados: o já referido John Wayne e Roscoe Lee Browne (1925-2007), importante actor negro, com uma voz poderosa, que oferece a The Cowboys um equilíbrio e uma dignidade que teriam sido difíceis de garantir com um elenco tão jovem e inexperiente. 
É verdade que quando foi rodado este filme pouco teria a acrescentar à história de um género fundador do cinema norte-americano, limitação que o talentoso Mark Rydell soube ultrapassar com um elenco exigente e picante (são conhecidas as divergências políticas entre os intervenientes), sequências onde as manadas de gado que atravessam a pradaria evocam tempos perdidos e emoções recalcadas. Wil Andersen é, pois, um velho cowboy de 60 anos que tem de percorrer cerca de 400 milhas de território hostil com mais de 1500 cabeças de gado. A febre do ouro usurpou-lhe mão-de-obra, vendo-se agora obrigado a contratar adolescentes para a execução da épica tarefa. O ofício é duro, exige solidez e método. Andersen, que perdera dois filhos, acabará por adoptar, mais do que contratar, estes jovens. O filme desenvolve-se, deste modo, em dois planos paralelos: o da reconquista de uma família por parte do velho cowboy e o da iniciação na vida adulta por parte dos jovens. 
Errado, porém, julgar ter sido este um western infantil, indeciso perante públicos mais ou menos experientes. Na realidade, esta é uma obra em diálogo profícuo com o passado, com a própria história do cinema, sendo imensas as alusões, algumas as citações, diversas as referências. E há um condimento que a enriquece. A personagem interpretada por John Wayne acabará por ser assassinada, colocando-se ali ponto final a uma geração que vislumbrará nos jovens recrutados um futuro promissor. Já agora, deve-se esta trágica ponte entre passado e futuro a um outro grande actor que tivemos oportunidade de rever, recentemente, ao mais alto nível. Refiro-me a Bruce Dern (o velho Woody Grant do belíssimo Nebraska), elemento maligno em The Cowboys cujo nome é a sugestiva alcunha de Long Hair.
Ora, toda esta construção narrativa apela não só a um imaginário cinematográfico concreto como desbrava terreno para futuras e abstractas (re)criações. Mark Rydell filma com agradável classicismo os seus cowboys, enquadra-os num contexto específico onde o drama do tempo, da passagem do tempo, do crescimento e do envelhecimento, no fundo o drama do desenvolvimento da personalidade, se evidencia fora das banais transfigurações de conflitos geracionais, exercendo-se antes a partir de um palco onde os estádios e as etapas do desenvolvimento reflectem, também, o amadurecimento de uma arte. Daí que este filme possa ser igualmente interpretado como homenagem ao western enquanto género, uma homenagem matizada de vitalidade que olha para o passado com espanto, não se deixa intimidar, segue o seu natural percurso - já não na sombra das influências, antes enriquecida pela sua assimilação.

1 comentário:

Anónimo disse...

Em breve novo livro do Fialho: poeboys.