sexta-feira, 29 de agosto de 2014

ESCREVER UM LIVRO, CRIAR UM FILHO, PLANTAR UMA ÁRVORE


Escrevi um livro.
Quantos anos a sonhá-lo,
a rascunhá-lo nas mesas dos cafés,
a escrevê-lo nos intervalos do emprego,
a vivê-lo,
a sofrê-lo,
na província, nas cidades...!

Criei um filho.
Tanta alegria no meu coração!

Só ainda não plantei uma árvore.
O frágil caule como protegê-lo?
Como não deixar que os bichos
maculem as pequeninas folhas?
E como dialogar com uma árvore-menina?

Agora vai sendo tempo.
Os anos pesam.
Amanhã vou plantar uma árvore.

Saúl Dias (n. 1902 - m. 1983), in Líricas Portuguesas. «A poesia de Saúl Dias, uma das mais notáveis de entre as que apareceram sob a égide daquele grupo [presença], caracteriza-se por uma delicadeza e uma pureza de expressão que levam a uma depuração excepcional uma linha poética que vem directamente de Camilo Pessanha. Sobretudo os seus desenhos reflectem esta mais relevante característica da obra poética; mas uns e outra contêm uma subterrânea crueza que às vezes explode numa brutalidade de traço, que é inseparável, e como que o suporte, de uma quase complacência cínica, de uma melancólica e sonhadora malícia sarcástica, patentes na subtileza de uma personalidade rara pela contenção discreta, pela suspensa alusividade dos seus veros» (Jorge de Sena, idem).

2 comentários:

MJLF disse...

O pintor Júlio, irmão do Régio, ele era engenheiro civil e trabalhou nos Monumentos Nacionais em Évora. Dizem que o Virgílio Ferreira se inspirou nele para um dos personagens da "Aparição". Acho curioso o movimento contrário dele e do irmão: dois homens de Vila do Conde, que nasceram e cresceram ao pé do mar, em adultos foram viver para a Planície. O movimento contrário é mais comum: irem do interior para o mar. :)

hmbf disse...

Estou com ambos, sou cada vez mais deserto e interior. O mar está cheio de multidões.