quinta-feira, 18 de setembro de 2014

DE HOCKNEY A ROTHKO


Um outro trabalho que me impressionou bastante em La Chambre du Collectionneur foi este Paper pools (1978) de David Hockney. Não se exige grande esforço para que, de um momento para o outro, comecemos a imaginar as seis partes desta composição isoladamente. Se tomarmos cada uma dessas seis partes isoladamente, elas pouco nos dirão. Há no fragmento de um puzzle a sugestão de um todo que podemos arquitectar mentalmente, mas aqui não estamos perante um puzzle. Estamos perante o recorte geométrico de uma imagem. O canto inferior esquerdo pode ser uma tela monocromática. No rectângulo do meio, aquilo que interpretamos como uma prancha adquiriria significado completamente distinto se fosse separado dos restantes rectângulos. Podia ser a entrada de um templo egípcio. Uma prancha pode ser o pórtico de um tempo egípcio.
Os psicólogos da forma estudaram estas coisas, ensinando-nos que a forma como percepcionamos um objecto resulta de uma organização prévia dos fragmentos. Há leis por detrás da percepção que convém entender. David Hockney desafia o gestaltismo, simplificando com um exemplo divertido os processos mentais do entendimento. Esta piscina só é uma piscina enquanto a pudermos observar como um todo organizado, mas deixará de ser uma piscina se cada um dos fragmentos ali unidos se tornar um todo isolado, autónomo, independente. Imaginemos que em vez da piscina tínhamos um corpo humano. Sabemos que um braço ou uma perna apenas o são em relação com o resto. O resto é cabeça, tronco e membros. Cada uma das partes do nosso corpo não tem existência autónoma (excepto, talvez, num episódio de A Família Addams ou num conto de Gogol).


Mas a pintura, sobretudo enquanto perspectivação de um elemento real, logra decompor o todo em fragmentos que podem ser absolutos, totais. Daí que um Rothko não tenha que ser apenas jogo cromático de índole abstracta. Pode ser a expressão figurativa de um fragmento observado isoladamente, ou seja, como um todo. A pintura de Rothko é assaz estimulante de um ponto de vista mental, ela eleva-nos ao Todo a partir de uma das suas partes. Não nos admiremos, portanto, com isto:

Pintura com carácter solene e de apelo à meditação, não é de estranhar que tenha sido a encomenda feita por John e Dominique de Menil em 1964 a Rothko de pinturas para uma capela a construir de raiz em Houston no Texas, o projecto que mais entusiasmou este autor; acabaria por se suicidar em 1970, dois anos após a conclusão das pinturas, que só viriam a ser instaladas no local um ano após a sua morte.


Ao observar essas composições sacras, infelizmente à distância, pressinto Deus naquele monocromatismo, naquele aparente vazio, naquela aparente ausência, e vejo nas telas a Virgem e o Menino e a Crucificação e a Paixão e a Última Ceia e a traição de Judas e Lázaro ressuscitado e a ascensão do Senhor… Vejo tudo isso com os olhos de quem procura no insignificante a presença do magnificente. Desafio o leitor a fazer o mesmo por aqui.

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