Uma das tontices mais cómicas que a excitação dos últimos dias tem despertado
é a afirmação, proferida por comentadores cativos e repetida exaustivamente
pela escumalha, de que Portugal nunca mais será o mesmo ou, na sua variante
menos hiperbólica, a justiça nunca mais será a mesma. A sério que me dá vontade
de rir, tal como ontem me ria enquanto uma jornalista num directo de televisão
conseguia adivinhar o “ar nervoso” de Sócrates atrás das cortinas do Campus de
Justiça. A minha mulher ainda me perguntou, perscrutando atentamente o momento
em que o semblante passava por uma frincha de vidro: “mas ele não vai a rir?”
Não, mulher, confia na visão de raio-x da jornalista. E presta atenção a esta
outra que fala dos “dois primeiros mandatos” do detido como se tivesse havido
um terceiro, e sublinha aqueloutra que contou “14 pizzas a caminho do Largo do
Rato”… São tantos os exemplos de reportagem pacóvia e jornalismo medíocre patenteados
que até nos sentimos mal quando ouvimos falar de um jornal que fechou as portas
ou de despedimentos na comunicação social. Nada mudou nem nada mudará no
país, está tudo entregue a uma corja do mais ordinário e imbecil que pode
haver. O Santana ou outro como ele continuará a distribuir empregos pelos seus bulldogs
e o Presidente da República, o mais indecente de todos por ser aquele com
maiores responsabilidades, não hesitará na condecoração a 10 de Junho. A
corrupção é endémica, diz-se. Diz-se mal, porque na realidade é
pandémica. Corrói tudo a ponto de ser orgástico um exemplo de discernimento, a
ponto de causar espanto e estranheza um discurso articulado, a ponto de
considerarmos excepcional o que devia ser dado adquirido. Notem bem, estamos a
ser governados pelo indivíduo acima, o mesmo que há não muito afirmava a
sua decisão irrevogável de se demitir. Dá para acreditar nas palavras desta gente? Dá. Se há coisa que ele tem
bem decidida na sua cabeça é que não quer ser político. Foi ele que disse e nós
acreditamos. Não é, nunca foi, nuca será. É oportunista, aldrabão, nepotista, hipócrita. Tal como a maioria que ao lado dele
se vai sentando, e todos os outros que se cumprimentam nos corredores do poder,
corredores que mais parecem ascensores de riqueza, porque entre poder e riqueza
não há diferença alguma nesta sociedade de que já Camões se queixava. Ora, se
Camões se queixava pode alguém pensar que no futuro será diferente? Manda a lógica indutiva que se todos os príncipes que temos visto
são sapos, logo todos os príncipes são sapos. Mudem de rumo, mudem de rumo, já lá vem outro carreiro.
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