domingo, 14 de dezembro de 2014

BOOM

Numa breve passagem por Coimbra, com a Alma Sem Cura do Jorge Aguiar Oliveira por objecto, vasculhei as estantes do Miguel de Carvalho em busca de esmeraldas perdidas. Regressei a casa com um saco de plástico carregado de tesouros. Folheadas as obras, detém-se-me o espanto num volume intitulado Bone Lonely (Steidl, 2011) com fotografias de Paulo Nozolino e poemas de Rui Baião. Magnífico objecto sobre o qual talvez ainda venha a partilhar uma ou duas ideias. Por ora, pretendo apenas partilhar outro espanto. A constatação de uma abundância sobre a qual talvez já fosse merecida uma análise sociológico-literária. Refiro-me à profusão de poetisas vindas a lume nos últimos anos. Assim de súbito, e por certo com lapsos de memória sobre os quais responderá a ressaca, surgem-me nomes tais como Ana Salomé (n. 1982), Beatriz Hierro Lopes (n. 1985), Cláudia R. Sampaio (n. 1981), Catarina Nunes de Almeida (n. 1982), Filipa Leal (n. 1979), Golgona Anghel (n. 1979), Inês Dias (n. ?), Inês Fonseca Santos (n. 1979), Joana Serrado (n. 1979), Júlia de Carvalho Hansen (n. 1984), Margarida Vale de Gato (n. 1973), Margarida Ferra (n. 1977), Marta Chaves (n. ?), Matilde Campilho (n. 1982), Patrícia Baltazar (n. 1977), Rosalina Marshall (n. 1976), Renata Correia Botelho (n. 1977), Raquel Nobre Guerra (n. 1979), Sara M. Felício (n. 1984), Susana Araújo (n. ?), Tatiana Faia (n. 1986). Como em tudo na vida, mais tarde ou mais cedo seremos obrigados a separar o trigo do joio. É impossível à memória, por maior que seja a sua generosidade, conservar tamanha colheita no celeiro da literatura. A dificuldade será acompanhar toda esta constelação com distanciamento crítico, tentar entender o que há de verdadeiramente poético em cada uma das obras desenvolvidas. Impressiona a vitalidade, sobretudo quando olhamos para a história da literatura portuguesa e o desequilíbrio entre poetas e poetisas é aflitivo. Razões culturais e sociológicas explicarão esse desequilíbrio, como agora explicarão um aparente reequilíbrio. Não podemos é deixar de sublinhar o boom, por vezes acompanhado de incompreensível sobreexposição mediática com consequências nefastas para uma promoção sóbria e honesta da poesia.

4 comentários:

Cuca, a Pirata disse...

Eis algo digno de nota e que, estranhamente, ainda não tinha visto ser notado. A nossa literatura e especialmente a poesia, tem sido paupérrima em autoras femininas. Espero que esta nova tendência venha para ficar.

Célia disse...

É com agrado que leio esta sua constatação, porque já me tinha perguntado sobre o motivo desta aparente dispersão, senão apagamento, das mulheres no mundo da poesia. Registo, igualmente com agrado,o uso do termo "poetisa"que, também ele,anda a ser abusvivamente substituído por poeta.

hmbf disse...

Célia, usei o termo poetisa com muita relutância. Grandes poetisas portuguesas detestavam ser assim tratadas, preferindo a forma universal poetas.

Célia disse...

Eu sei, hmbf. :-) Entre elas Sophia de M. B.Andresen.Se refletirmos um pouco e aliarmos a reflexão à sua constatação será que não obteremos uma parte da justificação? A literatura não tem género e nunca alinhei na escrita feminina e escrita masculina. Por essa ordem de ideias, poderemos passar a usar a forma invariável "escritor"! O mundo já é gramaticalmente tão masculinizado...que contamina já o léxico?
:-)