Deitei agora mesmo o açúcar no cinzeiro
Caiu-me a cinza no café
Onde pensei azul vejo vermelho
E a linha como tonta alheia e brusca se desprende
e furta à intenção da mão que a traça
O que o dia todo desenhei
eu próprio olho espantado e espantado não sei
em verdade o que é
Rigoroso analista que nos outros tudo entende
que se passa?
Mário Dionísio (n. 1916 - m. 1993), in Memória dum Pintor Desconhecido (1965). «Entre os poetas editados pelo Novo Cancioneiro, Mário Dionísio, também mais ligado aos agrupamentos lisboetas, atinge em Riso Dissonante (1950) os melhores momentos de uma aliança entre as vibrações líricas e combativas, entre o desespero e a esperança, o senso do irrecuperável e o do futuro a criar, vencendo o esquematismo dos livros anteriores (...)» (A. J. Saraiva, Óscar Lopes, in História da Literatura Portuguesa). «Se a sua ficção e os seus poemas não possuem o mesmo significado que deve hoje reconhecer-se à sua actividade crítica, não menos aqueles últimos marcaram, dentro do neo-realismo, uma posição muitas vezes encarada com injustiça por demasiado próxima dos mestres franceses (...)» (Jorge de Sena, in Líricas Portuguesas). «O Novo Cancioneiro reuniu, nos anos 40 (em plena II
Guerra Mundial) um conjunto de jovens inspirados pelos princípios do
neo-realismo: aliavam uma poesia com marcadas preocupações sociais a uma
atitude política de oposição ao salazarismo. Na colecção couberam títulos tão
diferentes (e desiguais) como Terra, de Fernando Namora, Poemas, de Mário
Dionísio, Sol de Agosto, de João José Cochofel, Aviso à Navegação, de Joaquim
Namorado, Os poemas de Álvaro Feijó, Planície, de Manuel da Fonseca, Turismo,
de Carlos de Oliveira, Passagem de Nível, de Sidónio Muralha, Ilha de Nome
Santo, de Francisco José Tenreiro e Voz que Escuta, de Políbio Gomes dos
Santos. Apesar da matriz neo-realista, as diferenças
significativas entre os autores fizeram com que o Novo Cancioneiro não tenha
sido um movimento literário, ao contrário dos grupos criados em redor das
revistas Orpheu (Pessoa, Sá Carneiro, Almada) ou Presença (José Régio, Miguel
Torga, João Gaspar Simões). Por isso, muitos críticos e historiadores
consideram que o Novo Cancioneiro falhou como grupo, apesar de nele se terem
revelado grandes poetas (e depois prosadores) como Carlos de Oliveira ou Manuel
da Fonseca)» (aqui).
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