quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

[DEITEI AGORA MESMO]

 
Deitei agora mesmo o açúcar no cinzeiro
Caiu-me a cinza no café
Onde pensei azul vejo vermelho
E a linha como tonta alheia e brusca se desprende
e furta à intenção da mão que a traça
 
O que o dia todo desenhei
eu próprio olho espantado e espantado não sei
em verdade o que é
 
Rigoroso analista que nos outros tudo entende
que se passa?
 
 
 
Mário Dionísio (n. 1916 - m. 1993), in Memória dum Pintor Desconhecido (1965). «Entre os poetas editados pelo Novo Cancioneiro, Mário Dionísio, também mais ligado aos agrupamentos lisboetas, atinge em Riso Dissonante (1950) os melhores momentos de uma aliança entre as vibrações líricas e combativas, entre o desespero e a esperança, o senso do irrecuperável e o do futuro a criar, vencendo o esquematismo dos livros anteriores (...)» (A. J. Saraiva, Óscar Lopes, in História da Literatura Portuguesa). «Se a sua ficção e os seus poemas não possuem o mesmo significado que deve hoje reconhecer-se à sua actividade crítica, não menos aqueles últimos marcaram, dentro do neo-realismo, uma posição muitas vezes encarada com injustiça por demasiado próxima dos mestres franceses (...)» (Jorge de Sena, in Líricas Portuguesas). «O Novo Cancioneiro reuniu, nos anos 40 (em plena II Guerra Mundial) um conjunto de jovens inspirados pelos princípios do neo-realismo: aliavam uma poesia com marcadas preocupações sociais a uma atitude política de oposição ao salazarismo. Na colecção couberam títulos tão diferentes (e desiguais) como Terra, de Fernando Namora, Poemas, de Mário Dionísio, Sol de Agosto, de João José Cochofel, Aviso à Navegação, de Joaquim Namorado, Os poemas de Álvaro Feijó, Planície, de Manuel da Fonseca, Turismo, de Carlos de Oliveira, Passagem de Nível, de Sidónio Muralha, Ilha de Nome Santo, de Francisco José Tenreiro e Voz que Escuta, de Políbio Gomes dos Santos. Apesar da matriz neo-realista, as diferenças significativas entre os autores fizeram com que o Novo Cancioneiro não tenha sido um movimento literário, ao contrário dos grupos criados em redor das revistas Orpheu (Pessoa, Sá Carneiro, Almada) ou Presença (José Régio, Miguel Torga, João Gaspar Simões). Por isso, muitos críticos e historiadores consideram que o Novo Cancioneiro falhou como grupo, apesar de nele se terem revelado grandes poetas (e depois prosadores) como Carlos de Oliveira ou Manuel da Fonseca)» (aqui).
 

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