quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

TRÍPTICOS DA NUDEZ #1

A propósito da nova política do Blogger sobre “conteúdos sexualmente explícitos”, a Maria promete uma chuva de nus no seu jardim. Solidarizo-me com o protesto iniciando uma série nova a que dei o título Trípticos da Nudez. O primeiro tríptico é dedicado à Lia, porque faz hoje anos e ficou a pensar no durante.
 
 
 
 


 
Teria a idade da minha filha Beatriz (vai para nove anos) quando me chegou às mãos O Grande Livro da Arte – Tesouros Artísticos do Mundo, com prefácio do então famoso director da Tate Gallery Sir Norman Reid. Um dos primeiros tesouros abordados, ainda no capítulo da arte rupestre, é a Vénus de Willendorf. Datará de 20000 a 18000 a.C., quando os homens andavam nus sobre a terra e não sentiam vergonha por isso. Esta pequena estátua é ainda hoje uma lição acerca da representação da nudez, atraindo todas as atenções para o essencial no corpo feminino: mamas e ancas opulentas. O pormenor dos braços e das mãos a repousarem sobre os peitos é simplesmente delicioso. Também é costume sublinhar-se a ausência de elementos faciais, cobertos por uma suposta farta cabeleira encaracolada. Mas não podemos estar certos de que se tratasse do penteado da senhora. O escultor tinha à época uma mentalidade muito mais sofisticada do que os administradores do Blogger demonstram possuir na actualidade, pretendendo com aquele pormenor exaltar tão-somente o corpo e o seu potencial fecundante. Como em tempos referi, tendo por pretexto Escritos Pornográficos de Boris Vian, a nossa civilização desenvolveu-se no sentido exactamente contrário: tapa as partes, maquilha o rosto (quando não faz do rosto uma das partes).
 

Um dos nus que mais controvérsia gerou ao longo dos tempos foi pintado por Tommaso Masaccio (1401-1428), a ponto de se especular sobre a morte prematura do misterioso florentino (envenenamento?). Impedido de terminar os frescos na Capela Brancacci, Masolino da Panicale (1383-1447) entregou o trabalho ao jovem Masaccio. Numa época em que a realidade se transmitia através de símbolos religiosos, Masaccio privilegiava o realismo fazendo uso da perspectiva e oferecendo às suas figuras uma ilusão de peso que as fazia descer do céu à terra. Eram figuras humanas, demasiado humanas. A Expulsão de Adão e Eva do Éden começou por inquietar as mentalidades mais conservadoras precisamente pela dimensão das figuras. Como podiam Adão e Eva ser maiores que o anjo do Senhor? O caldo estava entornado. O semblante desesperado dos intervenientes também não agradou, demasiado naturalismo humanista. Dois séculos depois, ou seja, lá pelos idos de 1674, os púdicos repararam na inaceitável nudez de Adão. Mesmo Eva, apesar da estratégica mão à frente da fonte, não escapou à censura. Toca de botar ramos de folhas sobre os órgãos sexuais. Só em 1980, após restauração do original, pudemos novamente apreciar o mastro de Adão e o mui moderno ventre depilado de Eva. Se o Blogger não censurar, podeis apreciar na figura o antes que foi depois e o depois que tentou ser antes.
 
 
 
 

 
Para terminar, e num registo mais sexualmente explícito, permito-me recordar os Desenhos Secretos do realizador russo Sergei Eisenstein: aqui. Palavras não há que lhes façam justiça. Estaline não gostava, os administradores do Blogger também não.

2 comentários:

maria disse...

:)

uma delícia o teu texto. nunca desiludes, pá!

hmbf disse...

isso dizes tu :-/