A propósito da nova política do Blogger sobre “conteúdos
sexualmente explícitos”, a Maria promete uma chuva de nus no seu jardim.
Solidarizo-me com o protesto iniciando uma série nova a que dei o título
Trípticos da Nudez. O primeiro tríptico é dedicado à Lia, porque faz hoje anos
e ficou a pensar no durante.
Teria a idade da minha filha Beatriz (vai para nove anos)
quando me chegou às mãos O Grande Livro da Arte – Tesouros Artísticos do
Mundo, com prefácio do então famoso director da Tate Gallery Sir Norman Reid. Um
dos primeiros tesouros abordados, ainda no capítulo da arte rupestre, é a Vénus
de Willendorf. Datará de 20000 a 18000 a.C., quando os
homens andavam nus sobre a terra e não sentiam vergonha por isso. Esta pequena
estátua é ainda hoje uma lição acerca da representação da nudez, atraindo todas
as atenções para o essencial no corpo feminino: mamas e ancas opulentas. O
pormenor dos braços e das mãos a repousarem sobre os peitos é simplesmente delicioso.
Também é costume sublinhar-se a ausência de elementos faciais, cobertos por uma
suposta farta cabeleira encaracolada. Mas não podemos estar certos de que se
tratasse do penteado da senhora. O escultor tinha à época uma mentalidade muito
mais sofisticada do que os administradores do Blogger demonstram possuir na
actualidade, pretendendo com aquele pormenor exaltar tão-somente o corpo e o
seu potencial fecundante. Como em tempos referi, tendo por pretexto Escritos Pornográficos de Boris Vian, a nossa civilização desenvolveu-se no sentido
exactamente contrário: tapa as partes, maquilha o rosto (quando não faz do rosto uma das partes).
Um dos nus que mais controvérsia gerou ao longo dos
tempos foi pintado por Tommaso Masaccio (1401-1428), a ponto de se especular
sobre a morte prematura do misterioso florentino (envenenamento?). Impedido de
terminar os frescos na Capela Brancacci, Masolino da Panicale (1383-1447)
entregou o trabalho ao jovem Masaccio. Numa época em que a realidade se
transmitia através de símbolos religiosos, Masaccio privilegiava o realismo
fazendo uso da perspectiva e oferecendo às suas figuras uma ilusão de peso que
as fazia descer do céu à terra. Eram figuras humanas, demasiado humanas. A
Expulsão de Adão e Eva do Éden começou por inquietar as mentalidades mais conservadoras
precisamente pela dimensão das figuras. Como podiam Adão e Eva ser maiores que
o anjo do Senhor? O caldo estava entornado. O semblante desesperado dos
intervenientes também não agradou, demasiado naturalismo humanista.
Dois séculos depois, ou seja, lá pelos idos de 1674, os púdicos
repararam na inaceitável nudez de Adão. Mesmo Eva, apesar da estratégica mão à
frente da fonte, não escapou à censura. Toca de botar ramos de folhas sobre os
órgãos sexuais. Só em 1980, após restauração do original, pudemos novamente
apreciar o mastro de Adão e o mui moderno ventre depilado de Eva. Se o Blogger
não censurar, podeis apreciar na figura o antes que foi depois e o depois que
tentou ser antes.
Para terminar, e num registo mais sexualmente explícito,
permito-me recordar os Desenhos Secretos do realizador russo Sergei Eisenstein: aqui. Palavras não há que lhes façam justiça. Estaline não gostava, os administradores do Blogger também não.
2 comentários:
:)
uma delícia o teu texto. nunca desiludes, pá!
isso dizes tu :-/
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