sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

TRÍPTICOS DA NUDEZ #2

 
Não há compêndio de arte japonesa que escape ao shunga. É possível que a homófona chunga esteja etimologicamente relacionada com a palavra nipónica, designação atribuída às esplendorosas gravuras eróticas dos séculos XVIII e ulteriores. Há quem impute a origem do género às ilustrações dos manuais de medicina chinesa de antanho, sendo certo que as representações sexuais mais ou menos oníricas deste tipo, contemplando geishas, actores de kabuki e cortesãs em delírio zoófilo como a da famosa gravura de Katsushika Hokusai (1760-1849), transcendem largamente qualquer conceito medicinal. Espíritos doentios poderiam vislumbrar nestas imagens tratamento para a doença do preconceito, não pecassem as mesmas pelo registo underground de um humor refinadíssimo e do devaneio sem limites. Note-se como os dois polvos acertam no resultado muito antes de a FIFA ter organizado qualquer mundial. Hokusai, que ficou famoso pelas ondas de Kanagawa, merecia outro reconhecimento por este sonho da mulher do pescador. Afinal, no corpo da esposa devota temos não apenas um tsunami de sensualidade como o princípio inspirador da bomba de sucção vaginal.
 

Sem comparáveis méritos eróticos mas equivalente perspicácia na representação da nudez temos o contemporâneo Vito Acconci (1940). Performer modelar, deixa-nos sempre, por assim dizer, com água na boca por nunca o termos podido observar em tempo real, ao vivo e a cores. Todos os trabalhos que lhe conhecemos chegaram-nos por vídeo ou através de fotografias. Certo que algumas das suas performances têm por público apenas a câmara, espécie de exibição desconstrutiva da noção de interactividade. Mas exemplifiquemos. No filme Conversas Parte II (Insistência, Trabalho Preparatório, Exposição), datado de 1971, filma-se de cima para baixo escondendo o pénis entre as pernas. A androgenia da situação é evidente, estamos na presença de um corpo masculino com uma vagina. Aparentemente. A ilusão desfaz-se quando Acconci se filma de costas e podemos contemplar-lhe os testículos entalados algures entre as coxas e o cu. Os administradores do Blogger dirão que são hemorróidas, embora os críticos garantam tratar-se de um «dispositivo utilizado para apresentar uma alteração experimental da identidade sexual do intérprete que depende da exposição do oculto (castração simbólica)».
 

E já que estamos numa de imagens em movimento, fica a referência ao filme mais despido de todos os filmes. A sério. É o chamado filme do caralho que toda a gente devia ver. Dediquei-lhe um texto medíocre aqui.

3 comentários:

maria disse...

do melhor, do melhor :)

Textículos disse...

"Muita tinta correu ao longo da história e em todo o caso parece mantêr-se intacto o vigor luso em terra alheia. No longínquo Japão, a arte shunga("imagem" da Primavera) onde Primavera é um eufemismo para sexo, representa com um português, à séculos, o fetiche da prática de sexo com um estranho ou estrangeiro. E já que de tinta falei, deixo-vos o "Sonho da mulher dum pescador" com um choco. :)" http://texticulos.blogs.sapo.pt/79611.html

hmbf disse...

em sintonia