Não há compêndio de arte japonesa que escape ao shunga. É
possível que a homófona chunga esteja etimologicamente relacionada com a palavra
nipónica, designação atribuída às esplendorosas gravuras eróticas dos séculos
XVIII e ulteriores. Há quem impute a origem do género às ilustrações dos
manuais de medicina chinesa de antanho, sendo certo que as representações
sexuais mais ou menos oníricas deste tipo, contemplando geishas, actores de
kabuki e cortesãs em delírio zoófilo como a da famosa gravura de Katsushika
Hokusai (1760-1849), transcendem largamente qualquer conceito medicinal. Espíritos
doentios poderiam vislumbrar nestas imagens tratamento para a doença do
preconceito, não pecassem as mesmas pelo registo underground de um humor refinadíssimo
e do devaneio sem limites. Note-se como os dois polvos acertam no resultado muito
antes de a FIFA ter organizado qualquer mundial. Hokusai, que ficou famoso
pelas ondas de Kanagawa, merecia outro reconhecimento por este sonho da mulher
do pescador. Afinal, no corpo da esposa devota temos não apenas um tsunami de
sensualidade como o princípio inspirador da bomba de sucção vaginal.
Sem comparáveis méritos eróticos mas equivalente
perspicácia na representação da nudez temos o contemporâneo Vito Acconci
(1940). Performer modelar, deixa-nos sempre, por assim dizer, com água na boca
por nunca o termos podido observar em tempo real, ao vivo e a cores. Todos os
trabalhos que lhe conhecemos chegaram-nos por vídeo ou através de fotografias.
Certo que algumas das suas performances têm por público apenas a câmara,
espécie de exibição desconstrutiva da noção de interactividade. Mas
exemplifiquemos. No filme Conversas Parte II (Insistência, Trabalho
Preparatório, Exposição), datado de 1971, filma-se de cima para baixo
escondendo o pénis entre as pernas. A androgenia da situação é evidente,
estamos na presença de um corpo masculino com uma vagina. Aparentemente. A
ilusão desfaz-se quando Acconci se filma de costas e podemos contemplar-lhe os
testículos entalados algures entre as coxas e o cu. Os administradores do Blogger
dirão que são hemorróidas, embora os críticos garantam tratar-se de um «dispositivo
utilizado para apresentar uma alteração experimental da identidade sexual do
intérprete que depende da exposição do oculto (castração simbólica)».
E já que estamos numa de imagens em movimento, fica a
referência ao filme mais despido de todos os filmes. A sério. É o chamado filme
do caralho que toda a gente devia ver. Dediquei-lhe um texto medíocre aqui.
3 comentários:
do melhor, do melhor :)
"Muita tinta correu ao longo da história e em todo o caso parece mantêr-se intacto o vigor luso em terra alheia. No longínquo Japão, a arte shunga("imagem" da Primavera) onde Primavera é um eufemismo para sexo, representa com um português, à séculos, o fetiche da prática de sexo com um estranho ou estrangeiro. E já que de tinta falei, deixo-vos o "Sonho da mulher dum pescador" com um choco. :)" http://texticulos.blogs.sapo.pt/79611.html
em sintonia
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