quinta-feira, 9 de abril de 2015

[Ópera humana...]


Ópera humana...
Onde o cantor é um operário
A construir e a destruir:
Cria ruínas e, a seu lado,
Ergue um castelo ao imaginário,
Erguido no presente com a sombra do passado
E para a luz sombria do futuro.
E, enfim, lá canta a sua música
Feita de carne ou lama,
De pus ou chaga, de sorriso ou lágrima...

O instrumento e o palco
Somos nós
E o pensamento da obra nós julgamos
O nosso pensamento.
Mas ele,
Só ele sabe de cor o seu papel.

...Os ramos
Duma árvore partida
Parecem perguntar ao vento:
Aonde vamos,
Aonde foi a nossa vida?!

Pergunto ao pensamento: aonde vou?
Responde, idealizando um novo plano
Topográfico: fica à tua espera;
Diz o silêncio: tu és só o teu inesperado!...

Parecem perguntar: aonde vamos,
Aonde foi a nossa vida?!
...Os ramos
Da árvore partida!

António de Navarro (n. 1902 - m. 1980), in Ave de Silêncio (1942). «Entre os poetas mais directamente ligados à presença, mencionemos (...) António de Navarro (...), cujo ritmo e metaforismo, muito livres e cortados de suspensões ou descontinuidades, procuram forçar os limites entre a consciência e a natureza (Poemas de África, 1941; Ave de Silêncio, 1942; Poema do Mar, 1957; Metal Translúcido, antologia, 1968)» (A. J. Saraiva e Óscar Lopes, in História da Literatura Portuguesa). 

2 comentários:

bea disse...

Os últimos quatro versos fecham em beleza o poema todo belo.

hmbf disse...

Conheço mal este poeta. Mas estou a tratar de conhecer melhor. Para já, gostei de não encontrar nenhuma fotografia sua na internet. :-)