O atual populismo anti-imigração substituiu a barbárie direta por barbárie com um rosto humano. É a regressão do amor cristão ao próximo de volta ao privilégio pagão da própria tribo (gregos, romanos) contra o Outro, bárbaro. Mesmo que disfarçada como defesa dos valores cristãos, é, ela mesma, a maior ameaça ao legado cristão. G. K. Chesterton conseguiu, há um século, retratar claramente o impasse fundamental em que os críticos da religião se encontravam: «Os homens que começam a combater a Igreja em nome da liberdade e da humanidade acabam por lançar para longe a liberdade e a humanidade se forem os únicos que podem lutar contra a Igreja [...] Os secularistas não destruíram coisas divinas; mas os secularistas destruíram coisas seculares, se isso lhes serve de algum conforto.» E não se poderá dizer o mesmo acerca dos adeptos da religião? Quantos defensores maníacos da religião começaram por atacar ferozmente a cultura secular contemporânea e acabaram por esquecer qualquer experiência religiosa relevante? De um modo semelhante, muitos dos guerreiros liberais estão também a lançar para longe a liberdade e a democracia se somente eles puderem combater o terror. Se os «terroristas» estão prontos para acabar com este mundo em detrimento de outro, os nossos guerreiros do terror estão prontos para destruir o seu próprio mundo democrático por ódio a um mundo muçulmano. Alguns deles são tão devotos da dignidade humana que, para a defender, estão totalmente dispostos a legalizar a tortura - a derradeira degradação da dignidade humana. E não é isto que se passa também com o recente aumento de defensores da Europa contra a ameaça imigrante? No seu zelo de protegerem o legado judaico-cristão, os novos zelotes estão prontos para esquecer o que se encontra no verdadeiro coração do legado cristão. Eles, os defensores anti-imigrantes da Europa, e não as multidões de imigrantes que se encontram, supostamente, à espera de o invadir, são a verdadeira ameaça à Europa.
Slavoj Žižek, in Problemas no Paraíso - O Comunismo
depois do Fim da História, trad. C. Santos, Bertrand Editora, Setembro de 2015, pp. 186-187.
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