sábado, 31 de outubro de 2015

UM HINO DE NOVALIS

SAUDADES DA MORTE

Desçamos ao reino terrestre,
Deixemos império de Luz.
Sinal de partirmos alegres
Das mágoas são golpes e fúria.
Varemos estreito batel,
Veloz, nas margens do Céu.

Louvados noite e o sono,
Eternos e sempre louvados.
O dia deu-nos calor,
Secura dão-nos cuidados.
Errantes seremos não mais,
Buscamos a casa do Pai.

No mundo, então, que faremos
Com tanto amor, tão fiéis?
Se põem de lado o velho,
O novo o que nos reserva?
Mas que só, desconsolado,
O devoto do passado!

Do tempo em que altas brilhavam
As chamas da luz dos sentidos,
As mãos do bom Pai e o Rosto
Do homem eram conhecidos.
Ainda à sua imagem feitos,
Tantos espíritos eleitos.

Do tempo em que ainda floriam
Antigas estirpes magníficas,
O reino do Céu pretendiam
Crianças pelo martírio.
Mil corações d'amor rasgados,
Outros só a prazeres dados.

Do tempo em que jovem e ardente
A Si mesmo Deus se mostrou.
À morte tão cedo consente
Dar vida tão doce de amor.
Penas nem medos afasta
Porque ser fiel lhe basta.

Mas vê temerosa saudade
Estarem na noite encobertos.
Jamais a transitoriedade
Acalma sede que aperta.
Nós vamos voltar à pátria,
Ver esse tempo sagrado.

Já tarda nosso regresso,
Repousam há muito os Amados!
O túmulo a vida nos fecha,
Agora são dores e os medos
Nada quer o coração
Tão farto em mundo tão vão.

Secreto, infindavelmente, 
Um manso arrepio perpassa.
Parecendo-nos que se sente
Funéreo eco de mágoas.
O hálito da saudade
Vem daqueles que amámos.

Descer até à doce Noiva,
Até Jesus — nosso Amado.
A paz de quem ama e sofre
É sol poente iluminado.
Um sonho desprende laços,
O Pai nos cinge nos braços!


Novalis (Georg Philipp Friedrich Freiherr von Hardenberg) (n. Wiederstedt, Alemanha, 2 de Maio de 1772 - m. Weißenfels, Alemanha, 25 de Março de 1801), in Os Hinos à Noite, tradução de Fiama Hasse Pais Brandão, edição bilingue, colecção Gato Maltês, n.º 20, Assírio & Alvim, Setembro de 1988, pp. 55-59.

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