domingo, 1 de novembro de 2015

AZEITONAS RECHEADAS & SALADA DE BATATA

Os livros não servem apenas para alimentar o espírito, servem também para estimular a mais nobre das artes: a culinária. Pode um homem pensar correctamente com o estômago desconfortado? Resposta negativa. Daí que me agrade encontrar num livro boas sugestões gastronómicas. Aquário, de David Vann, tem diversos momentos de culinária dignos de registo. A páginas 34, a especialidade da mãe de Caitlin:

Estávamos a comer hambúrgueres, a especialidade da minha mãe. Misturava cebolinho na carne picada, vários ovos e bocadinhos de bacon. Isto era o bacon escondido. Depois punha umas tiras compridas de bacon por cima dos hambúrgueres, e uma data de molho de churrasco. Era acompanhado de salada de batata, batatas fritas de pacote, picles e refrigerante de laranja.

Steve, o namorado da mãe, é mais refinado. Enfia um barrete branco e usa um avental vermelho aos quadrados para cozinhar beringela parmigiana. Enquanto fala das suas origens albanesas, vira…

…as fatias de bringela, panadas e douradas e a estalar no óleo. Tinha uma panela de água a ferver para a massa, e uma grande tigela de molho de tomate.
(…)
Steve estava a tirar a beringela da frigideira nesse momento e a pô-la numa caçarola de ir ao forno cheia de molho de tomate.
(…)
Steve pôs uma última camada de molho por cima e depois pegou num naco de parmesão e num ralador.
(…)
Ralou o queijo por cima da cobertura e depois enfiou a caçarola no forno. Vinte minutos, disse ele.

Há também uma receita de langueirões, entre outros petiscos que aguçam a curiosidade e nos impelem para a cozinha. No Verão passado, enquanto relia Sinais de Fogo, deliciei-me com os ovos com presunto servidos a Jorge pelos tios à chegada à Figueira. Num livro que a espaços revolta o estômago, Jorge de Sena reconforta-nos com chávenas de café, pão e manteiga, compota e bolachinhas, frivolidades quotidianas, manjares de carne crua em noites de orgia. As personagens circulam por cozinhas onde se roçam nas criadas, mas raramente se sentam à mesa para comer algo mais do que pão com manteiga. Tudo muito diferente do que se passa, a título de exemplo, num Miller. Deveras dado a carnes humanas, não dispensa os poderes afrodisíacos de outras ementas. Quem pode esquecer os jantares de Plexus?

Transformámos o jantar num acontecimento. Além de cebolas fritas e puré de batata, comemos milho verde e feijão, beterraba e couves-de-bruxelas, tudo adornado com espargos, azeitonas recheadas e rabanetes. Regámos tudo com vinho branco e tinto, do melhor que se pôde arranjar. Havia três tipos de queijo e, para rematar, morangos com natas. Ao contrário do habitual, bebemos excelente café, que eu próprio fiz. Rico café forte, com um bocadinho de chicória. Só faltava um bom licor e havanos.

Henry Miller não dispensa «costeletas de carneiro com ervilhas, um pouco de talharim e talvez umas alcachofras», acrescenta-lhe inúmeros aromas em descrições mais ou menos minuciosas. Vejamos «aquilo a que Marjorie chamava de «petisco»:

«carnes frias, salame, cabeça recheada, azeitonas, picles, sardinhas de conserva, rabanetes, salada de batata, caviar, queijo suíço, café, um bolo de queijo alemão ou strudel de maçã e, para rematar, kümmel, porto ou málaga. Às vezes, depois do café e dos licores, ouvíamos discos de John Jacob Niles».

Até Bukowski, na brutalidade líquida de cocktails inesperados, consegue dar às suas personagens, ou seja, a si próprio, um pouco mais do que café e bolachas de água e sal:

Havia puré de batata e molho, milho, pão quente e salada. Havia azeitonas recheadas na salada. O Al disse: «Experimenta um bocadinho dessa mostarda quente na carne, combina bem.» Por isso experimentei. A carne não era má.


Vem no conto Declínio e Queda. Agora está na hora de ir tratar das azeitonas recheadas.

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