O que seria de Portugal sem os seus betos? Se há fauna distintiva
por terras lusas, essa fauna é a dos betos. Em mais lugar nenhum do mundo os
betos podem ser mandatários de candidaturas socialistas. Isso verificou-se por
cá, com a célebre Carolina dos caroços. Assim ficou conhecida depois de ter
afirmado numa entrevista que só comia cerejas quando a empregada lhe tirava os
caroços, passando-se o mesmo com as grainhas das uvas. É uma trabalheira, concluiu.
Mais recentemente, a mesma Carolina patrocinou o país no estrangeiro ao ser
notícia pela forma física exibida nas redes sociais durante a gravidez. Betos
como a Carolina podem constituir um extraordinário postal turístico. Desde logo
por serem betos à nossa escala, ou seja, em comparação com os betos ingleses ou
os congéneres americanos não são bem betos, são uma espécie de impostores. Talvez
por isso alcancem tanto sucesso no mundo da representação, pululando por
telenovelas e séries de mau gosto. Não sei por onde andam os betos do meu país,
até porque não ando atrás deles. Presumo que facilmente se encontrem exemplares
dignos de apreço nas praças de touros da nação, na Praia da Comporta ou no Rock
in Rio. Agora é vê-los, para espanto de muitos, em manifestações
revolucionárias, vestidos de amarelo, reivindicando apoios do estado para a
educação dos seus, filhos. Ou talvez não. Beto que é beto manda para as
manifestações a mulher-a-dias, a caseira, a ama, o explicador, a tutora, não se
mete nessas coisas do povo quando tem hora marcada com o personal trainer. A
cena dos colégios é mais típica de aspirantes a betos, aqueles que depois das licenciaturas
em Direito ou Economia ou Relações Internais acabam nos cargos directivos das
empresas amigas de familiares e conhecidos. De vez em quando, encontro-os nos
escaparates dos quiosques em revistas boas para treinar origamis. No Verão, há
deles e delas que gostam de experimentar indumentárias neo-hippie e dão um
saltinho até ao Sudoeste. Outros preferem as noites brancas de Sagres e de
Vilamoura. Em torno da “betaria”, o país podia promover lá fora todo um
fantástico mundo de ginásios, spas, restaurantes gourmet, gins sem álcool… É
natural que provocássemos algum riso, mas o turismo do riso também conta. Cite-se,
a título de exemplo, a proliferação de uma literatura beta, que inclui não só
romances ditos light (os de pendor histórico estão definitivamente em alta) como
também ensaios de auto-ajuda, inúmeros volumes de culinária, livros práticos
sobre dietas e vida saudável, híbridos sem género com um pouco de tudo e muito
de nada. A pergunta é: por que hão-de interessar lá fora os nossos betos? Ora,
exactamente pela mesma razão que interessam cá dentro. Símbolos de uma alegria
plástica, tresandam a escândalo nas páginas das tais revistas que dão imenso
que falar a betos comentadores versados em futebol, cartomancia e outras artes
divinatórias. Em si mesmos, são produto de um admirável esoterismo social, o
das aparências fúteis, o de um existencialismo superficial que importa observar
como no deserto se observa o vazio. Há quem sonhe a olhar para eta gente sem se
dar conta de que está a olhar para um pesadelo. Mas é assim a vida. Basta
descer do Café A Brasileira ao Rossio para perceber que os nossos betos estão à
altura dos requisitos, são a prova provada de que a humanidade pula e avança.
Se não percebemos a caminho de quê, é precisamente porque eles cumprem o seu
papel.
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