quinta-feira, 26 de maio de 2016

POSTAIS PORTUGUESES #2

O que seria de Portugal sem os seus betos? Se há fauna distintiva por terras lusas, essa fauna é a dos betos. Em mais lugar nenhum do mundo os betos podem ser mandatários de candidaturas socialistas. Isso verificou-se por cá, com a célebre Carolina dos caroços. Assim ficou conhecida depois de ter afirmado numa entrevista que só comia cerejas quando a empregada lhe tirava os caroços, passando-se o mesmo com as grainhas das uvas. É uma trabalheira, concluiu. Mais recentemente, a mesma Carolina patrocinou o país no estrangeiro ao ser notícia pela forma física exibida nas redes sociais durante a gravidez. Betos como a Carolina podem constituir um extraordinário postal turístico. Desde logo por serem betos à nossa escala, ou seja, em comparação com os betos ingleses ou os congéneres americanos não são bem betos, são uma espécie de impostores. Talvez por isso alcancem tanto sucesso no mundo da representação, pululando por telenovelas e séries de mau gosto. Não sei por onde andam os betos do meu país, até porque não ando atrás deles. Presumo que facilmente se encontrem exemplares dignos de apreço nas praças de touros da nação, na Praia da Comporta ou no Rock in Rio. Agora é vê-los, para espanto de muitos, em manifestações revolucionárias, vestidos de amarelo, reivindicando apoios do estado para a educação dos seus, filhos. Ou talvez não. Beto que é beto manda para as manifestações a mulher-a-dias, a caseira, a ama, o explicador, a tutora, não se mete nessas coisas do povo quando tem hora marcada com o personal trainer. A cena dos colégios é mais típica de aspirantes a betos, aqueles que depois das licenciaturas em Direito ou Economia ou Relações Internais acabam nos cargos directivos das empresas amigas de familiares e conhecidos. De vez em quando, encontro-os nos escaparates dos quiosques em revistas boas para treinar origamis. No Verão, há deles e delas que gostam de experimentar indumentárias neo-hippie e dão um saltinho até ao Sudoeste. Outros preferem as noites brancas de Sagres e de Vilamoura. Em torno da “betaria”, o país podia promover lá fora todo um fantástico mundo de ginásios, spas, restaurantes gourmet, gins sem álcool… É natural que provocássemos algum riso, mas o turismo do riso também conta. Cite-se, a título de exemplo, a proliferação de uma literatura beta, que inclui não só romances ditos light (os de pendor histórico estão definitivamente em alta) como também ensaios de auto-ajuda, inúmeros volumes de culinária, livros práticos sobre dietas e vida saudável, híbridos sem género com um pouco de tudo e muito de nada. A pergunta é: por que hão-de interessar lá fora os nossos betos? Ora, exactamente pela mesma razão que interessam cá dentro. Símbolos de uma alegria plástica, tresandam a escândalo nas páginas das tais revistas que dão imenso que falar a betos comentadores versados em futebol, cartomancia e outras artes divinatórias. Em si mesmos, são produto de um admirável esoterismo social, o das aparências fúteis, o de um existencialismo superficial que importa observar como no deserto se observa o vazio. Há quem sonhe a olhar para eta gente sem se dar conta de que está a olhar para um pesadelo. Mas é assim a vida. Basta descer do Café A Brasileira ao Rossio para perceber que os nossos betos estão à altura dos requisitos, são a prova provada de que a humanidade pula e avança. Se não percebemos a caminho de quê, é precisamente porque eles cumprem o seu papel. 

Sem comentários: