sábado, 2 de julho de 2016

UM POEMA DE WISŁAWA SZYMBORSKA


Sobre a morte, sem exagero


Nada sabe de brincadeiras,
de estrelas, de pontes,
de tecelagem, de minas, do cultivo da terra,
de construção naval ou do cozer de um bolo.

Mete-se nos nossos planos de amanhã
com a última palavra
totalmente a despropósito.

Nem sabe aquilo
que é inerente ao seu ofício:
abrir uma cova,
atamancar um caixão,
fazer limpeza depois de ocorrer.

Atarefada com o matar,
fá-lo sem jeito,
sem sistema nem destreza.
Como se ensaiasse em cada um de nós.

Apesar de todos os triunfos,
quantas derrotas,
golpes falhados,
tentativas renovadas!

Por vezes faltam-lhe as forças
para derrubar a mosca no ar.
Outras vezes perde a corrida
com a larva a rastejar.

Todos estes bolbos, vagens,
antenas, barbatanas, traqueias,
a plumagem nupcial ou o pêlo invernal
testemunham o atraso
no seu trabalho moroso.

Não chega a má vontade
nem a nossa ajuda em guerras ou revoluções,
até agora, tudo é pouco.

Batem corações dentro de ovos.
Crescem esqueletos de bebés.
Sementes dão laboriosamente as suas primeiras folhinhas
e por vezes, grandes árvores no horizonte.

Quem afirma que ela é omnipotente,
é a própria prova viva
de que omnipotente não é.

Não há vida
que por um instante
não seja imortal.

A morte
chega sempre com aquele instante de atraso.

É em vão que dá safanões
à maçaneta de uma porta invisível.
Aquilo que se alcança nesse instante,
já não pode ela retirar. 


Wisława Szymborska (n. 2 de Julho de 1923, Kórnik, Polónia - m. 1 de Fevereiro de 2012, Cracóvia, Polónia), in Alguns gostam de poesia - Antologia, selecção, introdução e tradução do polaco de Elżbieta Milewska e Sérgio das Neves, Cavalo de Ferro, Março de 2004, pp. 189-193.