domingo, 28 de agosto de 2016

TRABALHO


Leio em rodapé na televisão que muitos portugueses deprimem no regresso das férias. Notícia tão previsível e óbvia que nem devia ser notícia. Aceita-se como rodapé. Muitos portugueses, a maioria, são infelizes. No trabalho, na vida. Estudos, estatísticas, apontam nesse sentido. O caso português não é sequer agravado pelo fado, tem que ver com uma outra ordem de razões. País velho, com uma história onerosa, faz de cada um dos seus cidadãos uma espécie de Sísifo. A gente carrega o país às costas, é a nossa pena. Carrega-o como um fardo, aceitando o privilégio de duas semanas para descansar de subir e descer a mesma montanha entediante da vida. Acresce o dever moral, as obrigações, a consciência a pesar por aqueles que nem duas semanas podem roubar ao destino para descanso. Os portugueses têm trabalhos de que não gostam, vivem frustrados, levam vidas a contragosto, o leque de oportunidades, por assim dizer, é reduzidíssimo para quem não tenha apelido nem situação. Os portugueses não deprimem no regresso das férias, voltam à realidade, restabelecem os índices miseráveis de alegria quotidiana. O que é estranho, e por isso deveria ser notícia, é os portugueses terem pelo menos duas semanas por ano para sorrir com leveza. 

2 comentários:

sonia disse...

Morar num país pequeno e lindo como o seu é um privilégio que eu gostaria de ter. Small is beautiful. Aqui no Brasil temos problemas bem mais graves para cairmos em depressão profunda!

hmbf disse...

Sonia, o pequeno é relativo. O "mais graves" lembra-me aquela coisa dos problemas dos outros e da galinha da vizinha e.... Enfim, há milhões de razões superficiais para cairmos em depressão profunda e milhões de razões profundas para cairmos em depressão superficial. Quanto ao resto, «Acresce o dever moral, as obrigações, a consciência a pesar por aqueles que nem duas semanas podem roubar ao destino para descanso.»