domingo, 4 de dezembro de 2016

THE RARE BREED (1966)



Depois do drama familiar encenado em Shenandoah/O Vale da Honra (1965), Andrew V. McLaglen (n. 1920 – m. 2014) deu seguimento ao seu percurso pelo Antigo Oeste num registo mais ligeiro. The Rare Breed/Rancho Bravo (1966) como que aproxima o mais clássico dos géneros cinematográficos daquilo a que hoje chamamos comédia romântica. A insistência em James Stewart no papel principal é um forte argumento a favor deste filme, ao qual devemos adicionar a presença da belíssima Maureen O’Hara (lembrar-se-ão dela em Rio Grande). Mas há ainda, para os indefectíveis do western, aparições mais ou menos fugazes de actores carismáticos tais como este respeitável trio constituído por Harry Carey Jr., Jack Elam e Ben Johnson. São presenças que oferecem a Rancho Bravo um proveito insofismável, nomeadamente se tivermos em conta o plot algo caricato desta obra. 
Uma inglesa e a sua filha fazem tudo o que está ao seu alcance para introduzir nas pradarias norte-americanas a raça de bovino Hereford, contra a incredulidade e até o descrédito dos instalados criadores de Texas Longhorns. O pretexto serve a Andrew V. McLaglen a possibilidade de engendrar todo um rol de piadas subtis acerca da miscigenação, mormente acerca dos preconceitos que ainda hoje opõem britânicos e americanos. Os estereótipos são por demais evidentes. De Inglaterra chega-nos a forma, a América oferece-nos o conteúdo. Os primeiros são utópicos, os segundos são pragmáticos. Talvez ambos se aproximem pela obstinação, embora nos primeiros esta seja representada por figuras femininas e sensíveis, ao passo que nos segundos a ela se oferece a figura do cowboy truculento. 
Entre os dois campos da batalha surge também um escocês há muito radicado na paisagem americana, já mais descrente do que confiante, embora ousado e intransigente. A transformação operada na aparência dessa personagem interpretada por um cómico Brian Keith, de sotaque scottish a acompanhar uma figura abrutalhada progressivamente transfigurada num romântico e cerimonial pretendente, é em si mesma a representação de uma dualidade anglo-saxónica em evidência ao longo de todo o filme. Tenhamos em conta o facto de o próprio Andrew V. McLaglen ter nascido em Londres, radicando-se nos Estados Unidos para aí concretizar praticamente toda a sua carreira cinematográfica. A inclinação para o western, género tipicamente norte-americano onde conseguiu os seus filmes mais aclamados, é reveladora da assimilação de uma cultura que, apesar das naturais ligações à monarquia britânica, pouco tem que ver com as formalidades do império de sua majestade.
The Rare Breed, traduzível à letra por A Raça Rara, trata disto mesmo com inquestionável fair play. Ao longo de inúmeras cenas de acção tão empolgantes quão divertidas, pode no entanto passar despercebida a maravilhosa dádiva que este filme tem para oferecer. Envolto numa aura de puro entretenimento, ele fala-nos dos esforços porventura contraproducentes para domesticar o indomesticável. A raça rara que o filme patenteia é a dos espíritos livres, autónomos, independentes, que apesar das diferenças culturais se aproximam pela mais tirânica das leis: a natureza segue o seu curso, contra isso pouco há a fazer. Ou talvez haja, pois no curso da natureza inclui-se a própria acção humana, com a sua vontade e determinação em mudar, transformar, realizar. 
Talvez o que há a fazer seja precisamente deixar que o curso da natureza se afirme, não por conformismo ou conservadorismo do que à volta se lhe poderia opor, mas por nele estarem implícitas as contradições, os paradoxos, os conflitos, as oposições sem as quais o progresso e a mudança seriam inexequíveis. Enquanto arte popular, o cinema tem também esta capacidade de reafirmar a relevância do sonho contra o determinismo das mentes mais conservadoras. James Stewart e Maureen O’Hara acabam por encarnar uma sedutora parelha neste processo de persecução de um sonho, ou, se preferirem, de uma utopia, falhada a priori, mas bem-sucedida a posteriori. O final feliz e luminoso não renega, porém, os obstáculos e as sombras encontrados pelo caminho. Simplesmente o disfarça, para que o sonho se fomente. 

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