Os weblogs dantes eram um espectáculo, isto foi antes de
passarem a ser blogues, éramos só nós e os nossos amigos, discutíamos
civilizadamente todo o tipo de assuntos e tínhamos caixas de comentários
abertas, depois começou a chegar muita gente desconhecida, tanta gente, fizemos
amigos novos, cortámos relações com velhos amigos, fechámos as caixas de
comentários até que zarpámos para jornais, revistas, televisões, cargos
públicos, não suportávamos o anonimato de quem se nos opunha, mas precisávamos
de qualquer coisa que nos mantivesse na crista da onda, qualquer coisa com
rosto e família, precisamos das nossas confrarias e de sociedades secretas em
rede semiaberta, descobrimos as redes sociais, as redes sociais eram um
espectáculo até terem chegado todo o tipo de pessoas às redes sociais, até serem sociais, e os
nossos velhos amigos a discutirem tudo incivilizadamente, é um espanto ver como
as pessoas conseguem ser grunhas, isto é, pessoas, nas redes sociais, o pior
delas revela-se ampliado a uma escala inimaginável, tipos que nós considerávamos
acabam por se revelar xenófobos, racistas, homofóbicos, enfim, execráveis, isto
é, humanos, eu não gosto das redes sociais mas ando por lá para ver como é,
preciso daquele ódio para efeitos de trabalho, sou um observador das massas, as
massas são observadoras das massas, dantes as pessoas tinham comportamentos
filtrados pela moral, pelos bons costumes, pela ética, pela deontologia, agora
os filtros desapareceram e as pessoas comportam-se nas redes sociais como
autênticos bichos, sem filtros, parecem homens das cavernas, sim, o homem
moderno nunca se assemelhou tanto ao homem das cavernas, e eu estou aqui no meu
casulo a observar as cavernas onde os outros se reúnem para assar a presa que
acabaram de capturar com mais um comentário odioso, às vezes penso que passo
demasiado tempo dentro de uma cuspideira, mas não pode ser assim tão mau, até
de facto verificar que é mesmo assim mau, o mundo devia ser só eu e tu, meu
amigo, eu e tu, as redes sociais não deviam ser sociais, deviam ser redes, num
mundo perfeito as pessoas não seriam pessoas, seriam cidadãos do mundo, mas o
mundo tem este defeito de ser feito por pessoas, tantas delas odiosas no fundo
das suas frustrações e vulgares no dia-a-dia do bairro, ai, passassem vocês a
vida atrás desse observatório do mundo que se chama balcão ou fossem às
reuniões de condomínio, talvez não se espantassem tanto com o espectáculo da
boçalidade. Feitas as contas, somos todos homens e mulheres. Feitas as contas,
somos todos brutos e parvos. Só temo pelos vermes que hão-de sofrer terríveis
congestões quando chegar a nossa hora.
8 comentários:
Como num uróboro, o ciclo começa a fechar-se. As redes sociais cedem novamente o espaço à comunicação frente a frente (ainda que intermediada por via electrónica). Ou seja, as redes socias funcionam hoje, principalmente, como as caixas de comentários dos jornais -- para a gritaria e a zoologia doméstica e pouco mais.
A comunicação passa-se noutro lado e noutros canais (daí a subida das aplicações de mensagens, à custa da crescimento e desidratação das redes sociais).
As redes sociais sucumbirão, como já sucumbiram antes os grupos da Usenet, ao peso das turbas, como uma ponte mal calculada. É uma questão de tempo e dimensão da turba. Lá chegará o dia.
Para não envenenar nenhum verme incauto, prefiro a cremação.
Quanto às redes sociais, continuamos, em qualquer dimensão imaginável, no pátio da escola.
Sim, linchemos as redes. Cuca, cada vez gosto mais do que tem a dizer.
Xilre, não tenho dúvidas sobre o dia do juízo final. Estou mesmo convencido que cada microssegundo das nossas vidas é esse momento. O meu espanto aqui é para com o espanto daqueles que julgavam poder ser de outra forma.
Cuca, no pátio da minha escola havia as senhoras contínuas a impor bons costumes.
Mariana, silenciar é sempre a pior das soluções.
Enfim, não vem mal ao mundo um pouco de optimismo. A minha esperança é que as pessoas venham a abrir os olhos e se apercebam do mau exemplo que estão a dar agindo como se fossem homens das cavernas. Um exemplo recente: alguém que vai à página do João Soares e diz coisas do género "o seu pai já devia ter morrido há muito". Isto é como ires ao velório de alguém e desatares a cuspir impropérios sobre o defunto. Eh pá, por menos respeito que o defunto mereça, é um defunto. E aos familiares do defunto reserve-se, pelo menos, o direito a um espaço mínimo de privacidade. Quem não percebe isto, facilmente estaciona no lugar reservado aos deficientes (que não foi propriamente concebido para atrasados mentais). São sinais de uma sociedade com índices de civismo muito maus. As redes tornam isto tão, tão, tão evidente.
Tens razão Henrique mas não posso moralizar. Também eu em tempos sucumbi à má língua mas como o meu alvo estava vivo, paguei o preço e aprendi uma lição. Talvez o truque seja a despersonalização do ódio. De qualquer forma - e escusado será repeti-lo - imoral é atacar quem já não se pode defender.
"O silêncio não é solução". Alguém por aí seria capaz de dizer isso a uma poetisa que muito admiro, a Rute Mota?
Eh pá, uma coisa é silenciar (obrigar o outro ao silêncio) outra coisa é o silêncio. Eu gosto muito do silêncio, mas nas relações com os outros prefiro afastar-me a silenciá-los. Olha, um facto muito simples e irrelevante que o comprova: ter fechado a página de Facebook.
Quanto à questão moral, o essencial para mim é mesmo isto: «imoral é atacar quem já não se pode defender». Mas a isto eu acrescento algo mais, uma total desresponsabilização que as redes sociais promovem, tornando possível todo o tipo de calúnias, insultos, julgamentos populares de carácter, etc., sem consequências que não sejam, eu pelo menos não vejo outras, o culto do ódio e a disseminação do infantilismo como uma praga insuportável. Creio mesmo que isto está a transformar-se numa autêntica máquina de estupidificação das massas, contra a qual é preciso encontrar alternativas sob pena de a breve trecho vimos a ter em cada governo um Trump qualquer.
Para quem não tolera a censura, o afastamento é alternativa plausível. O afastamento, a denúncia e talvez um pouco de paciência. Acredito (pois é uma questão de fé) que a onda Trump tenha o seu reverso na que se lhe seguirá. Quanto ao ódio das massas, Henrique, talvez o mal menor da sua expressão seja mesmo a brutalidade das redes sociais. O problema, claro, é que não se fica por aí: quem ganha sempre é o medo.
Enviar um comentário