terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

UM POEMA DA LOUCURA: Alda

21

Ali, onde morriam os malditos
   no inferno decadente e louco
   no manicómio infinito,
   onde os membros entorpecidos
   se envolviam no linho
   como num sudário semita,
      ali onde as sombras do trespasse
      te acariciavam os pés descalços
      saídos de baixo dos lençóis,
      e as ligaduras tórridas
      te sulcavam os pulsos e também as mãos,
      e cheiravas a fezes,
         ali, no manicómio
         era fácil trasladar
         tocar o paraíso.
            Era com a mente em chamas que o fazias,
            com as mãos encharcadas de suor,
            com o pénis erecto no ar
            como uma obscenidade para Deus,
            ali, no manicómio
            onde os gritos eram abafados
            por almofadas sanguinárias
               ali tu vias Deus
               não sei, entre as ideias translúcidas
               da tua grande loucura.
                  Deus aparecia-te
                  e o teu corpo esboroava-se,
                  migalhas louras e cheirosas
                  que desciam para devastar
                  enxames de imprevistas andorinhas.


Alda Merini, in A Terra Santa, trad. Clara Rowland, Edições Cotovia, Fevereiro de 2004, pp. 65-67.

2 comentários:

MJLF disse...

Puxa! Grande poema.

hmbf disse...

Todo este livro é muito bom. E a Alda Merini era a maior. Adoro um vídeo dela a tocar o Johnny Guitar ao piano. Vai ai Youtube e pesquisa por Alda Merini, tens uns documentos preciosos.