segunda-feira, 3 de abril de 2017

IEVGUÊNI IEVTUCHENKO (1932-2017)


Soube agora desta morte, através de um post de João Lopes no Sound + Vision. Que outras fontes me restam se quiser saber da morte de quem me importa? Evoquei Ievtuchenko num poema de A Dança das Feridas: aqui. Sobre Bella Akhmadulina deixei nota aqui. Respigo a seguinte nota numa antologia organizada por Manuel de Seabra (esta):

Nasceu em 1933, em Stántsia Zimá (Sibéria). Começou a publicar em 1949, com 16 anos, no jornal Sovétski Sport, e em 1952 lançou o seu primeiro livro. É um dos poetas soviéticos mais conhecidos no estrangeiro pelas suas viagens e entrevistas, e pela sua Autobiographie Précoce, publicada em L'Express, Fevereiro 3 - Março 21, 1963. A sua poesia combina um naturalismo pormenorizado com um tom polémico e veemente. O poema Herdeiros de Estáline (Naslédniki Stálina), publicado no Pravda de 21 de Outubro de 1962, foi largamente utilizado durante a campanha anti-estalinista, o que certamente contribuiu para a popularidade de Yevtushenko.

Na mesma antologia, dois poemas seleccionados têm referências explícitas a Portugal. O primeiro intitula-se Amor à Portuguesa, o segundo é este:

FÁTIMA

Estive na festa de Fátima. Vendo como se empurravam nas bermas
cães, burros, jornalistas, embaixadores, turistas,
e ao longo das estradas, de joelhos ligados,
em todo o asfalto, de cabeça perdida o povo se arrastava.

Com imprecações, gritos, lágrimas, gemidos,
por poças, montes de esterco, cacos de vidro,
arrastava-se para que a bênção de Fátima
viesse ao povo e o pudesse ajudar.

Arrastam-se camponeses, amargura no rosto enrugado
como haveria na mãe de Jesus Cristo
quando lhe devolveram, por fim, o filho crucificado,
tocando-lhe ao descer o seu corpo branco da cruz.

Arrastavam-se Madalenas, torciam-se, gemiam, ofegavam,
e semeavam lágrimas, confiando nessa sementeira,
mas só sorriam anjos rubros e impertinentes
arrastando a sementeira às costas, como rapazes traquinas.

E nos automóveis pretos, louvados os Apóstolos,
com buzinas que passavam pelos saloios arrastando-se na poeira,
corriam, como para o futebol, os ideólogos do andar de rastos,
os polícias de casse-tête sendo super-indulgentes.

E no estádio, com a voz forte da Phillips,
o comércio da fé deixava cair a sua palavra quente
sobre o mar de cabeças confusas e chapéus de jornal,
oscilando trémulas como um prato de pudim.

Apelava o comércio, estendendo as mãos bem cuidadas, 
na altura em que nas estradas de Deus pejadas,
que se arrastavam ao longe sobre joelhos invisíveis,
o poente se mostrava através duma neblina como sangue através de ligaduras.

E o povo arrastava-se. E os tristes camponeses não sabiam
que os pastores de rebanho, de submissa e simples fé,
não só não podem — tudo podem os grandes no mundo! —
como não pensam tirar os seus filhos da cruz...


Yevgeny Yevtushenko, traduzido por Manuel de Seabra, in Antologia da Poesia Soviética, Editorial Futura, pp. 166-167, 1973.

2 comentários:

Ivo disse...

Na Euronews foi noticiado 6a ou sábado passado. Ainda é dos poucos canais que se consegue ver mais de 1/2 minuto...

hmbf disse...

Não acompanho.