domingo, 23 de abril de 2017

"PRÓPRIO DE SER PORTUGUÊS"

Há dias, em conversa com um autor e o respectivo editor sobre as querelas literárias da actualidade, senti-me no meio de chineses. Um rol de nomes que nada me dizem a escreverem para publicações que, em certos casos, nem sabia existirem. Descobri também que o Facebook é agora o campo de batalha predilecto dos hunos e dos cossacos e dos parabolanos (e seus respectivos séquitos) para quem a literatura é o princípio e o fim último das suas vidas. Que lhes sejam ligeiras e favoráveis, é o meu mais honesto desejo. De preferência à distância, e pela sombra. Os paizinhos que os aturem que eu tenho mais que fazer.
Há muito deixei de comprar jornais, raramente frequento a imprensa escrita, mesmo on-line, e mais ainda raramente a que aparenta dedicar alguma atenção aos livros. As minhas fontes são outras e, felizmente, tenho amigos de sobra para bom convívio. De resto, o único jornal que, a espaços, vou espreitando on-line é o Público. Tudo o mais me chega através de links em posts publicados nos weblogs aos quais dedico algum do meu tempo livre. Por exemplo, não fosse este post no Xilre, com referência a um outro no Ouriquense, ter-me-ia escapado o artigo a que ambos aludem e eu não lerei. Nada a não ser a falta de interesse me demove de ler o tal artigo, embora me tenham agradado muito estes parágrafos do Xilre:

É próprio de ser português abafar a realidade debaixo de um manto de lamentos. Mas mesmo sendo portugueses, ninguém lamenta que os cinemas não passem Aniki Bóbó. Está disponível em formato digital. Ninguém lamenta que as lojas de discos (quais são as que restam?) já não tenham as Sonatas para Cravo, de Carlos Seixas. Estão disponíveis em formato digital.
Em vez de nos lamentarmos apenas pelo que deixou de haver, congratulemo-nos com o que há. E se há, na verdade, menos livros de Agustina nas estantes das livrarias, o Centro Virtual Camões disponibiliza há bastante tempo quatro livros fundamentais da autora, inteiramente grátis, em formato digital, entre as quais A Sibila. Se quem quer conhecer a obra de Agustina começar por estes e a seguir se abalançar aos Ensaios e Artigos, tem palavras de Agustina para bons e profícuos meses. Esgotar a leitura de mais de quatro mil páginas de obras de Agustina Bessa-Luís é, em si mesmo, obra de mérito.


E pronto, é a isto que eu chamo prestar um bom serviço à nação. De borla, com a identidade subsumida no admirável desapego de um nome desinteressado: Xilre. Deus lhe pague.

7 comentários:

xilre disse...

Um agradecimento pela menção e pelas palavras amáveis. Tendo passado por um tempo em que esperava meses (num dos casos, mais de um ano) por livros ou discos encomendados, em que aproveitava cada viagem para fora de Portugal para vir carregado (e pagar excesso de bagagem até) por livros impossíveis de encontrar por cá, e comparando com a facilidade que é encontrar agora a maioria dos livros que pretendo (e não apenas os de lançamento recente), seja editados em Portugal, seja fora, consigo ter alguma perspetiva de que vivemos tempos melhores para o livro e para a literatura em geral agora do que, digamos, há vinte anos. E com melhores quero dizer pragmaticamente, a variedade de edições de qualidade, a facilidade de acesso (nem que seja por meios alternativos, como os digitais), o próprio mercado de usados (porque não?), o número de vozes novas com grande mérito, nacionais e estrangeiras. Podemos lamentar a situação presente, é certo; tudo podia ser melhor. Mas se nos reportarmos ao passado -- até ao recente -- e expandirmos o horizonte ao que eram as opções de um leitor que vivesse fora de Lisboa e Porto (e mesmo assim), o presente é um tempo muito melhor para quem gosta disto dos livros.

hmbf disse...

Talvez por cautela não o devesse dizer, mas que se lixe: sim, a forma como se preenche o espaço das grandes redes livreiras é, sem dúvida, de uma mediocridade assustadora. Mas quem liga a isso? Há tempos estive a fazer contas e 90% dos livros que aqui vou partilhando não são adquiridos no estabelecimento onde trabalho, sendo que não senti dificuldade nenhuma em adquiri-los por outros meios. Quem quer um livro, encontra-o, basta procurá-lo. Enquanto autor, e os meus editores podem testemunhá-lo, nunca me preocupei com os locais onde os meus livros estão à venda. Na realidade, estou-me nas tintas. Enquanto estejam disponíveis para encomenda directa, por exemplo, ao editor, pois que os leitores encomendem directamente ao editor. Não sei o que os intelectuais deste mundo pensam sobre o assunto, mas como julgam eles que se pagam rendas exorbitantes a shoppings e se mantêm equipas disponíveis 363 dias por ano, 14 a 15 horas por dia? Uma coisa lhes garanto: não é, infelizmente, a vender livros da Agustina.

Ivo disse...

Vale o que vale, mas deixa-me discordar do que dizes Henrique, relativamente a estar nas tintas para se os teus livros estão nas livrarias. Como comentei noutro post na Letra Livre, esta semana, apenas tinham o Estranhas Criaturas. Claro que posso dirigir-me à editora, mas eu (ainda) sou um cromo que gosta de entrar numa livraria e pegar num desconhecido, folhear, ler, tentar apanhar o espírito do livro e decidir se o compro ou não. Tal como numa discoteca (sim, uma loja de discos, ouvindo e também lendo em certos casos). Seguindo o teu critério, que morram as livrarias, que morram as discotecas. Ora foda-se, vou onde então estourar dinheiro? Numa merda dum centro comercial? Festivais? Numa excursão a Fátima? Dispenso... Lá dizia o empregado da Letra Livre, "na feira do livro deste ano, se até lá não falirmos". Gostava que isso não acontecesse, para não acontecer tem que lá haver livros, livros que não sejam apenas um produto, e por isso convém que lá esteja por exemplo...

hmbf disse...

Lá está, a citação do Rui Bebiano acima há-de ser sempre de uma pertinência infalível. Há aqui várias coisas a esclarecer, mas para não me alongar vou directo à mais importante:

Seguindo o teu critério, que morram as livrarias, que morram as discotecas. Ora foda-se, vou onde então estourar dinheiro? Numa merda dum centro comercial? Festivais? Numa excursão a Fátima? Dispenso...

De onde é que se pode deduzir isto no meu comentário? Não estou mesmo a ver. O que eu disse foi: a forma como se preenche o espaço das grandes redes livreiras é, sem dúvida, de uma mediocridade assustadora. Há dúvidas? Perguntei: Mas quem liga a isso? Especifico: não me parece que haja muita gente interessada no assunto, tendo em conta os espaços que vão fechando e a robustez disso a que podemos chamar mercantilismo livreiro. O negócio dos livros vai crescendo nos sites e nas grandes redes livreiras, deixando as pequenas livrarias com a corda ao pescoço. Muitas delas apostando em alfarrabismo como forma de sobrevivência. Não te parece ser este o panorama? Acrescentei: Há tempos estive a fazer contas e 90% dos livros que aqui vou partilhando não são adquiridos no estabelecimento onde trabalho, sendo que não senti dificuldade nenhuma em adquiri-los por outros meios. Quais? Os mais diversos. Residindo em Caldas e não havendo alternativas por aqui, aproveito todos os passeios. Vou a Óbidos, compro livros. Desloco-me a Lisboa, aproveito e faço as minhas compras (há dias, no Paralelo W, por exemplo). Na Pó dos Livros, Letra Livre. Encomendo amiúde on-line à Letra Livre. Ontem, por exemplo, aproveitei uma promoção da Mariposa Azual e encomendei dois livros. Nunca tive um cartão de cliente do que quer que seja, frequento feiras de velharias com muito interesse e sempre que vejo um alfarrabista não resisto a espreitar. É assim que vou adquirindo os meus livros. Daí que me seja muito estranho as pessoas queixarem-se de que não encontram os livros que querem. Ou são muito mais esquisitas do que eu, ou a vida delas é uma dificuldade que eu não entendo. Quem quer um livro, encontra-o, basta procurá-lo.

Quanto à minha postura enquanto autor, já deu para reparar que sou uma excepção. Não sou exemplo para ninguém nem para nada senão para mim próprio. Estou-me realmente nas tintas, não quero saber. Talvez isto esteja relacionado com outras questões, mais de ordem profissional. Posso dizer-te que todas as semanas me aparecem tipos à procura dos seus próprios livros na livraria onde trabalho, alguns mostrando-se muito indignados por ou não termos ou, tendo, não estarem expostos como eles julgariam que deviam estar. Como se o espaço esticasse num país onde são editadas mais de 12 novidades por dia. Eu, pela parte que me toca, dou mesmo graças a Deus por não vender na livraria onde trabalho a maioria dos meus livros. Eis um problema de consciência a que fui agradecidamente poupado.

Ivo disse...

Mal entendido Henrique. Quando vou a uma livraria ou discoteca seguramente metade das vezes não vou procurar algo específico, gosto de entrar e sentir o pó das coisas, sim, porque normalmente frequento sítios que, tal como dizes, viram nos artigos usados a (ou uma das) hipótese de sobrevivência.
O que sei é que entro no que chamas uma grande rede livreira e além de já ir contrariado porque normalmente são espaços repelentes (não consigo imaginar o que será trabalhar lá...) dificilmente encontro algo que goste e que desconhecesse. Daí dizer que gosto de pegar, folhear, conhecer... E isso acontece em espaços como a Letra Livre. Saí de lá com meia dúzia de livros e sei que mais tempo lá ficasse mais trazia. Agora, se toda a gente que ainda escreve algo que se leia, como tu - e era isto que eu queria sublinhar - se estiver a marimbar para se tem os seus livros à venda, vai um burro como eu que não sabe o que quer - mas sabe o que não quer - e depara-se com quê? Mais do mesmo que há nas grandes redes?
Resumindo, e perdoa-me a afronta de um desconhecido: um gajo que escreve com a qualidade que tu escreves não pode passar por indisponível numa livraria.

hmbf disse...

Agradeço o apontamento, como é óbvio, mas o meu desinteresse não é regra. Portanto, podemos estar descansados. Como gosto muito mais de ser leitor do que escritor, ando sempre à procura dos outros. :-) E vou-me desenrascando. Não perco é tempo em hamburguerias se me apetece um bom peixinho grelhado, se é que me faço entender. Saúde e bom dia da liberdade,

Ivo disse...

Percebo Henrique, mas além de existir o sítio que te venda o peixe é necessário também que o peixe apareça... e não havendo quem o apanhe terá de ser o próprio a entregar-se =)