São muitas as pessoas com as quais nos vamos cruzando ao
longo da vida, mas poucas as que nos marcam por razões tantas vezes
incompreensíveis. Nem elas nem nós saberemos dessas marcas, por serem como que
invisíveis e imperscrutáveis. Tantas são as pessoas com quem nos cruzamos ao
longo da vida, pessoas anónimas, pessoas de quem não sabemos mais do que um
nome, quando sabemos, uma característica, quando as têm especiais, peculiares. Damos
por elas quando nos faltam, quando desaparecem do nosso alcance, quando
deixamos de as ver. Perguntamo-nos que será feito desta pessoa, deste homem,
daquela mulher, que tantas vezes apareciam e deixaram de se ver? Questionamo-nos
por que terão desaparecido, por onde andarão, estarão doentes, terão emigrado,
zangaram-se com o nosso perfil?
Hoje, ao folhear um jornal local, dei com uma dessas
pessoas. Não conheci este homem senão naquela formalidade do trabalho que obriga
a distâncias relativas. Lembro-me dele desde um dos meus primeiros dias de
trabalho numa livraria, por me ter encomendado um livro do Bruce Chatwin e
assim ter ajudado o fustigado livreiro a ganhar o dia. Com o passar dos meses,
dos anos, lá ia aparecendo de quando em vez, metendo conversa sobre colecções
como A Biblioteca de Babel, da Editorial Presença, ou a Miniatura, da Livros do
Brasil, a que dedicava atenção de coleccionador. Sugeri-lhe imensos livros,
alguns deles objecto de uma troca de impressões que me parecia sempre benfazeja. Muito discreto, consegui ficar a saber-lhe de um
weblog de culto, uma espécie de arquivo, como o próprio escreveu, «em homenagem
à minha própria vida de leitor». Mil e Um Livros, aqui. A determinada altura,
foi uma honra sabê-lo seguidor da Antologia do Esquecimento. Ainda é, presumo
que continue a ser. Pelo menos enquanto a memória da sua passagem perdurar por aqui. Reencontrei-o hoje na página de um jornal, a página onde se coleccionam rostos,
passagens, partidas.
Perdi um leitor. Não de palavras inúteis como estas, mas um leitor a quem sugerir livros, bons livros, aqueles livros de que gostamos e sugerimos na esperança de que alguém possa encontrar neles o que nós vislumbrámos. Foi um desses leitores que eu perdi.
4 comentários:
A imagem que tenho dele é de ser uma pessoa estimável. Nunca foi meu professor, apenas o conhecia de me cruzar com ele nalguns lugares e nas ruas da cidade.
Não sabia que era professor.
Um texto muito bonito
Obrigado.
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