sábado, 1 de julho de 2017

"ESTILISTAS DO EU"

A história da arte transformou-se, com honrosas excepções, numa disciplina monográfica, especializada, em certa medida obcecada com minudências. A disciplina convive desconfortavelmente com a crítica estética e com a filosofia da arte. Por exemplo, qual é o miniaturista que se ocupa das gravuras flamengas tardias, ou das aguarelas inglesas dos meados do período vitoriano, que precisa de se preocupar com o que Aristóteles ou Kant ou Heidegger escreveram sobre a experiência estética? Não há regime de titularidade na transcendência. Acima do matagal fervilhante das investigações monográficas nas artes e nas ciências da história, sobrevoam as águias dos media, os apresentadores de totalidades mais ou menos spenglerianas, das histórias dos séculos e das nações, actuando na televisão e operando numa pretensa imprensa de qualidade. A. J. P. Taylor, cuja vulgarização de alto nível se aproxima do génio, iniciou uma tribo de historiadores que se transformaram em comunicadores para as massas. Mais do que em qualquer outro ramo das humanidades, estes talentosos comunicadores e estilistas do eu descobriram uma maneira de chegar ao exterior da academia. Os seus livros são bestsellers de qualidade. Alguém se atreve a perguntar que tipo de estudantes estão eles a formar por entre os intervalos do jetlag?

George Steiner, in As Artes do Sentido, trad. Ricardo Gil Soeiro, Relógio D'Água, Fevereiro de 2017, p. 108.

4 comentários:

Diogo Almeida disse...

Boa, Steiner.

MJLF disse...

«Alguém se atreve a perguntar que tipo de estudantes estão eles a formar por entre os intervalos do jetlag?» Muito Bom!

Carlos Ramos disse...

É perguntar ao Nuno Rogeiro

hmbf disse...

Sim, talvez tenha resposta.