domingo, 26 de novembro de 2017

ASSASSINOS DA LUA DAS FLORES

Não fora certas ironias que da história, o destino dos Osage teria sido igual ao de inúmeras tribos indígenas exterminadas pela colonização. Viveram durante séculos nas Grandes Planícies, com uma economia baseada na caça de búfalo e na plantação de milho. Eram admiráveis caçadores e corajosos guerreiros. No final do século XIX, expulsos das suas terras, foram fixados numa reserva que mais parecia um monte de rochas. Pouco tempo depois, as terras de Pawhuska e Gray Horse deixaram de ser olhadas como montes de calhaus onde viviam selvagens. Já no início do século XX, descobriu-se que as terras para onde os Osage haviam sido atirados possuíam no subsolo algumas das maiores jazidas de petróleo dos Estados Unidos. Pela década de 1920 os Osage eram considerados o povo mais rico per capita do mundo, embora vivessem numa reserva e o Estado norte-americano não lhes reconhecesse os direitos que reconhecia aos brancos. A sociedade norte-americana, profundamente racista, espantava-se com a prosperidade da tribo. Havia até quem a considerasse ultrajante, nomeadamente quando os índios exibiam os seus empregados brancos em mansões que mais pareciam as de grandes proprietários de escravos. Tudo isto parece uma enorme ironia do destino, mas o Estado norte-americano e a sociedade que o sustentava encarregou-se a breve trecho de pôr fim às ironias. 
   Do confinamento à assimilação, a política americana para os assuntos índios passou a contemplar pormenores que já não tinham em vista um mero processo de aculturação. Aculturados que estavam, era importante que os Osage aprendessem a administrar a sua fortuna. Como? Basicamente, colocando-a nas mãos de brancos. Impôs-se às tribos o sistema de lotes para acabar com o antigo modo de vida comunitário, obrigou-se os índios a terem administradores das suas fortunas que fossem brancos, homens supostamente de bem que cumpriram o papel de guardiões de fortunas imensas, as quais há muito vinham sendo cobiçadas pelos grandes barões do petróleo. Porém, no ano da graça de 1921, já em pleno século XX, um assassinato, depois outro e mais outro, instauraram uma época hoje conhecida como o Reinado do Terror. Os Osage estavam a ser assassinados um a um, lenta e metodicamente. Era preciso perceber por quem. Este terá sido, por assim dizer, o primeiro grande caso da instituição que hoje conhecemos pela sigla FBI. 
   David Grann, reputado jornalista da New Yorker, voltou a pegar neste caso com praticamente um século e escreveu um livro clarificador. Assassinos da Lua das Flores – A Matança dos Índios Osage e o Nascimento do FBI (trad. José Vieira de Lima, Quetzal, Julho de 2017) lê-se como uma reportagem jornalística, profusamente documentada e com inúmeras ilustrações esclarecedoras. No final, as fontes são inúmeras e diversas. Do trabalho exaustivo levado a cabo por Grann retira-se que esta história é de tal modo sórdida que, a páginas tantas, perdemos o tino à realidade e julgamo-nos no meio de uma ficção policial. As conclusões de Grann são avassaladoras: «Embora o FBI estimasse que tinha havido vinte e quatro homicídios de osage, o verdadeiro número era indubitavelmente maior. (…) Académicos e investigadores que, desde então, têm examinado os homicídios, acreditam que o número de índios osage assassinados foi de várias dezenas ou mesmo centenas» (p. 349). Não se trata apenas de um problema de números, cuja discrepância se explica pelo facto de muitas das mortes que hoje se supõe terem sido assassínios não terem sido à época analisadas como homicídios. O problema é também de métodos, que incluíam casamentos oportunistas, uma dupla de médicos ao serviço dos criminosos, jogadas com agências de seguros e com bancos, etc.
   «Os planos para assassinar os índios contavam com médicos que falsificavam certidões de óbito e agentes funerários que, rapidamente e sem darem nas vistas, enterravam os cadáveres. (…) Com efeito, praticamente todos os elementos da sociedade eram cúmplices da rede assassina» (pp. 358-359). Quer isto dizer que os Osage começaram por ser vítimas, nas mãos dos brancos, da sua cultura; aculturados, passaram a ser vítimas da sua riqueza; ricos, foram vítimas de toda uma sociedade branca que avidamente se instalou à sua volta com a avidez dos parasitas. The FBI Story (1959), o filme de Mervyn LeRoy com James Stewart no papel de protagonista, já tinha aflorado o mais famoso dos casos aqui investigado. O livro de Grann, ao que parece com direitos adquiridos para adaptação cinematográfica, conta-a com uma profundidade perturbadora. Os esquemas, a depravação, o clima de terror a que estas pessoas foram sujeitas, numa reserva onde supostamente poderiam sentir-se finalmente protegidas das ameaças do homem branco, é-nos difícil de imaginar. No final, a lei acabou por ter para com três dos condenados a misericórdia que nunca teve para com as vítimas. As quais, ainda hoje, estão por ser ressarcidas pelos bens que lhes foram usurpados. 


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