Não fora certas ironias que da história, o
destino dos Osage teria sido igual ao de inúmeras tribos indígenas exterminadas
pela colonização. Viveram durante séculos nas Grandes Planícies, com uma
economia baseada na caça de búfalo e na plantação de milho. Eram admiráveis
caçadores e corajosos guerreiros. No final do século XIX, expulsos das suas
terras, foram fixados numa reserva que mais parecia um monte de rochas. Pouco
tempo depois, as terras de Pawhuska e Gray Horse deixaram de ser olhadas como
montes de calhaus onde viviam selvagens. Já no início do século XX, descobriu-se
que as terras para onde os Osage haviam sido atirados possuíam no subsolo
algumas das maiores jazidas de petróleo dos Estados Unidos. Pela década de 1920
os Osage eram considerados o povo mais rico per capita do mundo, embora
vivessem numa reserva e o Estado norte-americano não lhes reconhecesse os
direitos que reconhecia aos brancos. A sociedade norte-americana, profundamente
racista, espantava-se com a prosperidade da tribo. Havia até quem a
considerasse ultrajante, nomeadamente quando os índios exibiam os seus
empregados brancos em mansões que mais pareciam as de grandes proprietários de
escravos. Tudo isto parece uma enorme ironia do destino, mas o Estado
norte-americano e a sociedade que o sustentava encarregou-se a breve trecho de
pôr fim às ironias.
Do confinamento à assimilação, a política americana para
os assuntos índios passou a contemplar pormenores que já não tinham em vista um
mero processo de aculturação. Aculturados que estavam, era importante que os
Osage aprendessem a administrar a sua fortuna. Como? Basicamente, colocando-a
nas mãos de brancos. Impôs-se às tribos o sistema de lotes para acabar com o
antigo modo de vida comunitário, obrigou-se os índios a terem administradores
das suas fortunas que fossem brancos, homens supostamente de bem que cumpriram
o papel de guardiões de fortunas imensas, as quais há muito vinham sendo
cobiçadas pelos grandes barões do petróleo. Porém, no ano da graça de 1921, já
em pleno século XX, um assassinato, depois outro e mais outro, instauraram uma
época hoje conhecida como o Reinado do Terror. Os Osage estavam a ser
assassinados um a um, lenta e metodicamente. Era preciso perceber por quem.
Este terá sido, por assim dizer, o primeiro grande caso da instituição que hoje
conhecemos pela sigla FBI.
David Grann, reputado jornalista da New Yorker,
voltou a pegar neste caso com praticamente um século e escreveu um livro clarificador.
Assassinos da Lua das Flores – A Matança dos Índios Osage e o Nascimento do FBI
(trad. José Vieira de Lima, Quetzal, Julho de 2017) lê-se como uma reportagem
jornalística, profusamente documentada e com inúmeras ilustrações esclarecedoras. No final, as fontes são inúmeras e diversas. Do trabalho exaustivo levado a cabo por Grann retira-se que esta história é de tal
modo sórdida que, a páginas tantas, perdemos o tino à realidade e julgamo-nos
no meio de uma ficção policial. As conclusões de Grann são avassaladoras: «Embora
o FBI estimasse que tinha havido vinte e quatro homicídios de osage, o
verdadeiro número era indubitavelmente maior. (…) Académicos e investigadores
que, desde então, têm examinado os homicídios, acreditam que o número de índios
osage assassinados foi de várias dezenas ou mesmo centenas» (p. 349). Não se
trata apenas de um problema de números, cuja discrepância se explica pelo facto
de muitas das mortes que hoje se supõe terem sido assassínios não terem sido à
época analisadas como homicídios. O problema é também de métodos, que incluíam
casamentos oportunistas, uma dupla de médicos ao serviço dos criminosos,
jogadas com agências de seguros e com bancos, etc.
«Os planos para assassinar os
índios contavam com médicos que falsificavam certidões de óbito e agentes
funerários que, rapidamente e sem darem nas vistas, enterravam os cadáveres. (…)
Com efeito, praticamente todos os elementos da sociedade eram cúmplices da rede
assassina» (pp. 358-359). Quer isto dizer que os Osage começaram por ser
vítimas, nas mãos dos brancos, da sua cultura; aculturados, passaram a ser
vítimas da sua riqueza; ricos, foram vítimas de toda uma sociedade branca que
avidamente se instalou à sua volta com a avidez dos parasitas. The FBI Story
(1959), o filme de Mervyn LeRoy com James Stewart no papel de protagonista, já
tinha aflorado o mais famoso dos casos aqui investigado. O livro de Grann, ao que parece com direitos adquiridos
para adaptação cinematográfica, conta-a com uma profundidade perturbadora. Os
esquemas, a depravação, o clima de terror a que estas pessoas foram sujeitas,
numa reserva onde supostamente poderiam sentir-se finalmente protegidas das
ameaças do homem branco, é-nos difícil de imaginar. No final, a lei acabou por
ter para com três dos condenados a misericórdia que nunca teve para com as
vítimas. As quais, ainda hoje, estão por ser ressarcidas pelos bens que lhes
foram usurpados.
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