quinta-feira, 23 de novembro de 2017

UM POEMA DE VICENTE HUIDOBRO


CANSAÇO

Caminho dia e noite
Como um parque desolado
Caminho dia e noite entre esfinges desmoronadas de meus olhos
Perscruto o céu e sua erva cantante
Olho o campo ferido por gritos desmesurados
E o sol no meio do vento

Afago meu chapéu cheio duma luz incandescente
Passo a mão sobre o dorso do vento
Os ventos que passam como as semanas
Os ventos e as luzes com gestos de fruta e sede de sangue
As luzes que passam como os meses
Quando a noite se apoia sobre as casas
E o perfume dos cravos gira sobre seu eixo
Sento-me como o canto dos pássaros
É o cansaço longínquo e a neblina
Caio como o vento sobre a luz

Caio sobre minha alma
Eis o pássaro dos milagres
Eis as tatuagens de meu castelo
Eis as minhas plumas sobre o mar que se afasta
Caio de minha alma
E desfaço-me em pedaços de alma sobre o inverno

Caio do vento sobre a luz
Caio da pomba sobre o vento

Vicente Huidobro (n. 10 de Janeiro de 1893, Santiago, Chile - m. 2 de Janeiro de 1948, Cartagena, Chile), in Natureza Viva, trad. Luís Pignatelli, Hiena Editora, Janeiro de 1986, p. 33. Mais sobre Vicente Huidobro: aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui.

Sem comentários: