terça-feira, 5 de dezembro de 2017

AMAI-VOS UNS AOS OUTROS!



Para esclarecer isto de uma vez por todas: a belíssima, se bem que pouco original máxima do «amai-vos uns aos outros!», enquanto prática viva e eficaz, sempre mereceu e obviamente sempre merecerá a aprovação e o apoio de qualquer pessoa honesta. Nunca as vãs ambições epistemológicas da cartilha dos cristãos; nunca o aparelho de poder perfeitamente arbitrário da Igreja e os vários séculos de um terrorismo espiritual horroroso e sem precedentes. Porque na verdade o campo de concentração  não foi invenção, nem de Estaline, nem de Hitler, nem da Guerra dos Boéres, mas nasceu no ventre da Santa Inquisição; e a primeira descrição fiel feita no Ocidente de um exemplar campo de concentração devêmo-la à cristianíssima fantasia de Dante — por favor, não falta lá nada: os poços de excrementos, as torturas de água gelada, a cadência dos estalos na eterna marcha dos açoitados; para os cépticos existem caixões de fogo e os curiosos em demasia — Ulisses — são majestosamente fulminados: — porque «esses acabam por ser os argumentos mais robustos dos senhores teólogos: e desde que lhos roubaram, as coisas começaram a andar para trás que não é brincadeira!» Não venha daí exigir tolerância quem nunca a exerceu durante 1500 anos que «esteve no poder»!

Arno Schmidt, in Leviatã ou o Melhor dos Mundos seguido de Espelhos Negros, trad. Mário Gomes, Abysmo, Outubro de 2017, pp. 38-39.

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