sábado, 2 de dezembro de 2017

EPIFANIA #40


De uma viagem a Dublin, trouxe um livro de James Joyce: Poems and Shorter Writings (Faber and Faber, 2001), organizado por Richard Ellman, A. Walton Litz e John Whittier-Ferguson. A edição original data de 1991. Recolha diversa de poemas, aforismos, textos curtos entre os quais se destacam as Epifanias. Na introdução, diz-se que as 40 epifanias estão entre os mais relevantes textos da juventude de Joyce que sobreviveram no tempo. 40 de um total de 71, a servirem de ponte entre a primeira poesia e a ficção posterior. Muitos destes fragmentos, garatujados entre 1901 e 1904, acabaram por integrar a bibliografia posterior. Enquanto os vertia para português, tomando liberdades várias que não vale a pena justificar, fui recordando partes de livros tais como Ulisses, Dublinenses ou o Retrato do Artista Quando Jovem. Algumas aproximam-se de poemas em prosa, outras serão meros apanhados circunstanciais, há momentos dramáticos, líricos, eróticos, espirituais. A. Walton Litz sublinha dois tipos fundamentais de epifania, representativos dos pólos gémeos da arte joyceana: ironia dramática e sentimento lírico. Em suma, serão, terão sido, manifestações de um olhar atento às suas circunstâncias. O que há de epifânico nestes textos é tanto a revelação do objecto que leva ao texto como do próprio texto. Na sua aparente banalidade, estes textos desmistificadores manifestam anatomicamente a  sua estrutura enquanto representantes de uma determinada situação. Eis a última:

40

                                                         na Rua O’Connell:
                                                   [Dublin: ᴧ na farmácia
                                                   Hamilton, Long]

Gogarty — Isso é para Gogarty?
                                                                                             pagá-lo
O empregado de farmácia — (olha) — Sim, senhor. . . Vai levá-lo
                          consigo?  agora?
Gogarty — Não, envie-o ponha na
                         conta; envie-o depois. Você sabe
                         a morada.
                                        (pega numa caneta)
O empregado de farmácia — Sim       Si-im.
Gogarty — 5 Praça Rutland.
                                                                                        enquanto
O empregado de farmácia — (de si para si enquanto à medida que escreve)
                                                    . . 5 . .Praça. . .Rutland.

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